quarta-feira, outubro 04, 2006

Quando a terra cospe lama

Já falei aqui dos vulcões da Indonésia, dos seus jorros de lava, dos fluxo piroclásticos, das nuvens ardentes, e das colunas de cinza que projectam na atmosfera. Esta imagem ilustra um fenómeno que também está a ocorrer na Indonésia, e ao qual também é dado o nome de vulcão. Só que em vez de rocha fundida das entranhas da Terra, deste vulcão sai lama fervente. [... ler mais]

Os vulcões de lama ou, mais propriamente, de materiais argilosos, formam-se quando material sedimentar, aprisionado com água suficiente para não cimentar por efeito da pressão, se acumula a profundidades de alguns km, na região de contacto entre placas tectónicas. Esses materiais podem subir ao longo de fracturas geológicas e atingir a superfície. Na maioria dos casos, esses vulcões de lama ocorrem no mar, e junto à costa portuguesa existem alguns, que têm sido estudados, não só pelo interesse científico, mas também porque estão muitas vezes associados a depósitos de hidrocarbonetos. Em terra firme são mais raros, existem por exemplo alguns em Timor, embora alguns dos mais espectaculares estejam no Azerbeijão. Por vezes ocorrem como resultado de perfurações levadas a cabo por companhias petrolíferas, mas expelem pouca lama e regra geral duram apenas alguns dias. Só que em geral, não quer dizer sempre, e este da Indonésia parece imparável.

O vulcão de lama indonésio originou uma imensa tragédia humana que prolonga há cerca de quatro meses na ilha de Java, próximo de uma localidade chamada Sidoarjo. Tudo começou a 29 de Maio, quando lama quente e vapores começaram a jorrar de um buraco próximo de um local onde estavam a ser executadas perfurações por uma empresa petrolífera. Não se sabe se a causa foram as perfurações ou tremores de terra que ocorreram dois dias antes. Desde então quatro povoações e 20 fábricas foram cobertas pela lama, que continua a fluir com valores que atingiram os 160,000 metros cúbicos por dia. A lama cobre já vários km quadrados com uma altura que excede 7 metros. Embora não haja registo de vítimas humanas, 11,000 pessoas perderam as suas casas. O fluxo de lama a ferver parece imparável, e segundo geólogos que visitaram o local é possível que a intervenção humana não consiga sustê-lo.


Neste momento a lama está a ser contida por uma rede de diques e pequenas barragens improvisadas, e com o começo da época das chuvas em Outubro o governo começou a permitir que alguma da lama seja largada num rio local chamado Porong que a transportará para o mar. Mas o problema é que isto não pode ser continuar por demasiado tempo. Um artigo da news@nature.com (ref1) cita o geológo Adriano Mazzini da Universidade de Oslo na Noruega:

"Podem continuar a construir barragens, flitrar e despejar a lama eternamente. Supondo que ao fim de um ano não tenha parado, ter-se-á toda depositada no rio que terá que ser dragado."

De acordo com a news@nature.com, Mazzini sugere que se deva aproveitar a lama como matéria prima, fonte de energia geotérmica, ou para centros de férias para turistas interessados em banhos de lama. Claro que como geólogo Mazzini está sobretudo interessado nos aspectos científicos. Ainda uma citação do artigo da news@nature.com:
"Estudos de um vulcão de lama que apareceu do nada nunca tinham sido feitos. Há todos os dados da companhia que fez as perfurações. É como se houvesse ali um laboratório."

O fenómeno que ocorre em Sidoarjo é um pouco mais complexo que um vulcão de lama clássico. Para além de ser gigantesco, a temperatura da lama faz pensar que se trata de uma espécie de híbrido entre um vulcão de lama clássico e uma fonte hidrotérmica como as que existem em Yellowstone.

Ficha técnica
Parte da inspiração para o texto e imagens retiradas desta página do grupo de Física de Processos Geofísicos (PGP) na Universidade de Oslo.

Referências
(ref1) Richard Van Noorden (2006). Java mud volcano seems unstoppable. Could Indonesia's mud flow be put to good use? news@nature.com. Laço DOI.

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