quarta-feira, outubro 18, 2006

Os orangotangos confusos

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Esta imagem de um orangotango, Pongo pygmaeus, escondido debaixo de uma saca, ilustra um pouco a nossa perspectiva relativamente a estes animais, pelo menos quando comparada com a visão que temos dos outros grandes símios. Quando se fala em animais não humanos inteligentes pensamos em chimpanzés, depois em gorilas, e raramente nos orangotangos. Trata-se de uma injustiça, pois, por exemplo, como vimos numa contribuição anterior, os orangotangos mostram um desempenho semelhante aos dos chimpanzés, gorilas, e crianças humanas de dois anos, nos chamados testes de deslocamento invisível. Resolvi por isso voltar ao tema das capacidades cognitivas dos grandes símios, embora sob uma perspectiva algo diferente, focando um teste em que todos falham. Curiosamente, os orangotangos, e todos os outros grandes símios, têm um desempenho muito pobre numa variante dos testes de deslocamento chamada tarefa de duplo deslocamento invisível. [.. ler mais]

Estava com uma certa preguiça em retomar este tema, e o regresso é motivado em parte por um certo desapontamento em não possuir a menor aptidão artística. Quando vejo, nesta página de pinturas premiadas de Carel Brest van Kempen, a terceira imagem, em que um orangotango olha com alguma curiosidade para os elefantes que se deslocam abaixo, sinto uma vontade imensa de ser capaz de criar algo semelhante. Infelizmente tenho que me ficar pela conversa, mas pelo menos é por uma boa causa. O artigo que fala do deslocamento duplo é da autoria de Joseph Call e foi publicado na revista Journal of Comparative Psychology (ref1). Numa tradução livre do resumo:
Juvenis e adultos de orangotangos (n = 5; Pongo pygmaeus), chimpanzés (n = 7; Pan troglodytes), e crianças de 19 a 26 meses de idade (n = 24; Homo sapiens) foram confrontadas com deslocamentos visíveis e invisíveis. Foram apresentados três recipientes formando uma linha recta, e foi usada uma pequena caixa para deslocar uma recompensa debaixo delas. Os sujeitos foram confrontados com três tipos de deslocamento: simples (a caixa visitou um recipiente), duplo adjacente (a caixa visitou dois recipientes contíguos), e duplo não adjacente (a caixa visitou dois recipientes não contíguos). Todas as espécies tiveram desempenhos com níveis comparáveis, resolvendo todos os problemas excepto os deslocamentos invisíveis não adjacentes. Os deslocamentos visíveis eram mais simples que os invisíveis, e os deslocamentos simples eram mais simples que os duplos.

Os orangotangos têm um desempenho equivalente ao das outras espécies, inclusive nos testes em que falham. Não deixa de ser curioso que, quando se visitavam dois recipientes contíguos e depois se mostrava a pequena caixa vazia, os sujeitos da experiência não tenham grandes dúvidas em apontar um dos dos dois recipientes visitados. Mas, quando se visitavam os recipientes das extremidades saltando o do meio, muitas vezes as crianças e os antropóides escolhiam o do meio. O autor do estudo fez um outro teste onde este falhanço é mais óbvio:
Numa segunda experiência, os sujeitos viram colocar as recompensas em dois recipientes adjacentes ou não adjacentes sem efectuar deslocamentos. Todas as espécies escolheram o recipiente vazio de forma mais frequente quando os recipientes com a recompensa eram não adjacentes do que quando eram adjacentes. Avançamos como hipótese que um enviesamento de resposta e um problema de inibição eram responsáveis pelo fraco desempenho em deslocamentos não adjacentes.

É sempre difícil interpretar resultados negativos. Será que o falhanço se deve aos atropóides e crianças de dois anos não possuirem as capacidades mentais necessárias, ou será que simplesmente acham a tarefa demasiado difícil e preferem não se dar ao trabalho? Os autores pensam que se trata provavelmente da segunda opção. Eu apresentei este artigo porque, tal como nos exemplos sobre a batota dos cães, mostra que é precisa muita cautela ao interpretar estudos sobre as capacidades cognitivas dos animais.

Eu referi acima que, quando se fala em animais não humanos inteligentes, se pensa em chimpanzés. Na verdade não é bem assim: para muitas pessoas o paradigma da inteligência animal são os golfinhos. As próximas contribuições sobre este tema irão focar os mamíferos aquáticos. Quão inteligentes são de facto os cetáceos?

Ficha técnica
Imagem da gorila no início da contribuição cortesia de Aaron Logan, retirada da sua galeria LIGHTmatter.

Referências
(ref1) Call J. (2001). Object permanence in orangutans (Pongo pygmaeus), chimpanzees (Pan troglodytes), and children (Homo sapiens). J Comp Psychol 115:159–171. Laço DOI.

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