Já falei aqui de diversos testes das capacidades cognitivas dos animais não humanos, quase todos baseados em tarefas de carácter visual. O teste de que vou falar hoje é também desse tipo, embora de natureza bastante diferente. Não se trata de investigar as capacidade de representação secundária de objectos. Não tem nada a ver com o deslocamento de guloseimas ou brinquedos. As experiências de que vou falar hoje têm que ver com a capacidade de o indivíduo se identificar enquanto tal, de ter consciência do eu, algo que fazemos cada vez que nos vemos a um espelho. O estudo é bastante recente, e foi executado por um grupo de cientistas que resolveram colocar algumas fêmeas do elefante asiático, Elephas maximus, num recinto com um grande espelho e ver o que acontecia. Pois bem os elefantes parecem ter-se juntado a um clube algo reduzido que incluia até agora apenas os antropóides e golfinhos. [... ler mais]
O estudo da autoria de Joshua Plotnik e colegas foi aceite para publicação na revista Proceedings of the National Academy of Sciences USA (ref1). Numa tradução livre do resumo.Considerada um indicador de consciência de si mesmo, o reconhecimento de si próprio num espelho (RsPE) pareceu durante bastante tempo estar limitado a seres humanos e antropóides. Quer na filogenia, quer na ontogenia humanas, pensa-se que o RsPE está correlacionado com formas mais elevadas de empatia e comportamento altruísta. Além de em humanos e antropóides, tais capacidades são também conhecidas em golfinhos e elefantes. Após a descoberta recente de RsPE em golfinhos (Tursiops truncatus), os elefantes eram a escolha lógica para espécie candidata seguinte. Expusémos três elefantes asiáticos (Elephas maximus) a um grande espelho para investigar as suas respostas. Animais que possuem RsPE progridem tipicamente através de 4 estádios de comportamento quando encaram um espelho: (i) resposta social, (ii) inspecção física (por exemplo olhar por trás do espelho), (iii) comportamento repetitivo de teste do espelho, e (iv) percepção de se estarem a ver a eles próprios.
A parte da inspecção física é exemplificada num filme anexo ao artigo de que mostro abaixo quatro fotogramas:
Nestas imagens trata-se do primeiro dia em que dois elefantes fêmeas, Maxine e Patty, são expostas ao espelho. A Maxine é a da frente e vê-se claramente que ela estende a tromba acima do muro, e em seguida eleva-se nos quartos traseiros, levantando as patas da frente do chão. Tudo indica que ela está a tentar ver o que está por trás do espelho. Eis aqui o filme que acompanha o artigo (1.2Mbytes).
Os outros estádios de progressão são exemplificados num outro filme, em que a vedeta é o terceiro elefante fêmea, a Happy, a verdadeira heroína desta história e que deu o nome a esta contribuição. Estas imagens foram obtidas no terceiro dia de exposição ao espelho através de uma câmara embutida. Os primeiros dois fotogramas mostram a aproximação da feliz fêmea, de forma lenta e pachorrenta, como quem não liga à coisa:
Segue-se uma boa mirada, e então a Happy não resiste a exibir-se para o espelho, como se mostra na próxima sequência de fotogramas. Notem que um dos primeiros gestos da Happy é tocar com a tromba um pouco abaixo de um dos olhos, um gesto que parece de certa forma mediado pelo espelho.
Depois disso a Happy decide-se a levantar a tromba, mas não o faz só uma fez, testa esse comportamento mais umas quantas vezes antes de se ir embora. Eis mais dois fotogramas do final da sequência:
Eis aqui o filme que corresponde a esta parte do artigo (2.7Mbytes)
Os autores notam que este comportamento não tinha sido observado anteriormente em nenhum outro local, pelo que o interpretam como uma forma de teste do espelho, ou seja comportamento dirigido ao próprio. Este comportamento é uma indicação de que o elefante percebe que não se trata de um animal estranho, nem de um dos elefantes que lhe fazem companhia. A questão é, até que ponto o animal se identifica de facto com a imagem?
Esta contribuição já vai muito longa, e essa questão será respondida na continuação que irei colocar dentro de algumas horas. Até lá digo apenas que o X marca o local.
quarta-feira, novembro 01, 2006
Ser Feliz é conhecer-se a si mesma
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Biologia
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