segunda-feira, novembro 13, 2006

Turismo e ansiedade das jovens ciganas

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Ouvimos o mugir das aves adultas durante quinze minutos antes de pela primeira vez avistarmos um dos pássaros. Do tamanho de uma galinha, mostrava igual aptidão para o vôo. A sua adorável plumagem era encabeçada por uma face nua, cor azul brilhante, e asas com penachos, como as dos pavões. A característica mais marcante, contudo, era a longa crista a lembrar a Medusa, com as penas esticando-se como tentáculos.

Esta descrição de um encontro com a ave cigana, a Opisthocomus hoazin, é uma tradução de um excerto de uma contribuição de Carel Brest van Kempen (em inglês). Aí ele descreve as vicissitudes da expedição em que conseguiu fotografar estas belas, se bem que algo desajeitadas, aves. Essa narrativa está de certa forma na origem da série de textos que tenho colocado nos últimos tempos. Confesso ter ficado com uma grande vontade de visitar um local onde pudesse ter uma experiência semelhante, por exemplo no Brasil, onde este animal é ainda razoavelmente abundante em certas regiões. Este desejo, que muitas pessoas partilham, de ver animais no seu "ambiente natural", está na génese de uma actividade com o nome algo pomposo de ecoturismo. Apesar do suposto carácter ecológico, que sugere uma actividade que salvaguarda a biodiversidade, mesmo um número muito reduzido de visitantes pode modificar os padrões de comportamento dos animais, e ter um efeito nefasto sobre as as suas populações. [... ler mais]

O impacto dos visitantes humanos no comportamento das aves ciganas foi avaliado pela nossa já conhecida Antje Müllner que passou vários anos no Equador a estudar estes pássaros na Reserva de Cuyabeno. Essa é uma região protegida de floresta húmida com uma extensão de cerca de 6,000 km quadrados. Um dos locais que atrai mais turistas na Reserva são os Lagos de Cuyabeno, que cobrem uma área relativamente reduzida de cerca de 10 km quadrados, e que recebe cerca de 4,000 visitas por ano. A época "alta" do turismo local são os meses de Julho e Agosto: em certos locais chegam a receber a visita de mais de uma dezena de grupos de turistas por dia, cerca de 100 pessoas, a pé ou deslocando-se em canoas, na companhia de guias. Esses grupos de turistas são atraídos sobretudo pela observação da vida familiar das aves ciganas, incluindo os ninhos e os jovens que ainda não são capazes de voar. O estudo de Antje Müllner, que inclui mais dois colegas, é descrito num artigo publicado na revista Biological Conservation (ref1). Numa tradução livre do resumo:
O ecoturismo ajuda a proteger muitos habitats, mas pode também ter impactos negativos na vida selvagem. Investigámos os efeitos dos ecoturistas no sucesso reprodutivo das aves ciganas (Opisthocomus hoazin) e no estado hormonal dos seus pintos, em lagos da Floresta Amazónica, comparando aves de ninhos não perturbados e de ninhos expostos a turistas. O sucesso da incubação era semelhante nos dois grupos, mas a sobrevivência dos pintos era muito menor nos ninhos expostos a turistas que nos ninhos não perturbados. Este efeito era devido a um aumento de mortalidade dos juvenis antes de começarem a voar, sendo contudo pouco afectadas as crias menores ainda no ninho.
Mais uma vez o texto vai longo. Vou terminar por hoje com mais uma fotografia retirada da tese de Antje Müllner, que mostra um grupo de aves ciganas a repousarem tranquilamente enquanto fermentam a refeição do dia.


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