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Na primeira parte dedicada ao ecoturismo e aves ciganas, terminei com a citação de parte do resumo de um artigo de Antje Müller e colegas (ref1) em que se dizia que os números da mortalidade nas zonas expostas ou não expostas a turistas diferem de forma vincada. Para perceberem realmente a diferença que os visitantes fazem mostro abaixo uma figura que construí juntando três gráficos desse artigo.

Os autores verificaram ainda aspectos relativos ao peso das avezitas, e também da resposta hormonal dos animais a uma situação de grande tensão emocional. O que os cientistas fizeram foi capturá-los nos ninhos, poleiros, ou mesmo na água, retirando-lhes em seguida pequenas quantidades de sangue para estudo. Os animais foram depois devolvidos ao local onde estavam inicialmente. Continuando a tradução do resumo iniciada na contribuição anterior.
Os juvenis, mas não as avezitas mais jovens ainda no ninho, que viviam em locais expostas a turistas, tinham menor massa corporal e mostravam uma resposta hormonal mais demorada à ansiedade induzida experimentalmente, quando comparados a indivíduos em locais não perturbados. Estes dados sugerem que as aves ciganas juvenis são susceptíveis à ansiedade induzida pelos turistas que por sua vez pode ser responsável pela menor sobrevivência. Contrastando com isso, as aves adultas que se encontravam a incubar estavam aparentemente habituadas à presença de turistas, porque a distância a que levantavam vôo nos ninhos expostos aos turistas eram 50% menores que nos locais não expostos.
As aves adultas a incubarem os ovos no ninho, em locais sem turistas, fugiam em média quando um ser humano se aproximava a menos de 40 metros do ninho. Em locais turísticos, só levantavam vôo se alguém se aproximasse a cerca de menos de 20 metros do ninho. Este ponto é importante: os operadores turísticos diziam que não se notavam efeitos adversos sobre as aves, baseando-se, é claro, no que sucedia com os animais adultos e pediam mesmo o aumento da área onde os guias podiam levar visitantes.

O resumo termina com:
As nossas descobertas mostram que os indivíduos em diferentes estádios de vida mostram susceptibilidades diferentes ao turismo. Sugerimos que mesmo apenas observar os animais durante o período reprodutivo pode ameaçar a sua sobrevivência, mas que uma gestão científica correcta das zonas de acesso interdito e instruções específicas para cada área poderão reduzir os efeitos adversos.
O ênfase a negrito é meu. Obviamente que a solução ecológica ideal seria deixar as aves em paz. Tem no entanto que se compreender que os milhares de visitantes que permanecem alguns dias nas pousadas locais, e usam guias nas suas deslocações, representam empregos e um reforço financeiro importante para a economia dos habitantes humanos nessa área. Uma situação aceitável seria manter um fluxo turístico economicamente viável sem fazer perigar as aves que sustentam esse mesmo turismo. Este estudo sugere que isso será possível, desde que se tenha em consideração os aspectos relacionados com a ansiedade dos juvenis deste animal fascinante. É preciso, entre outras coisas, que as pessoas interessadas em observar as aves ciganas evitem as semanas críticas entre a data em que as avezitas abandonam o ninho e a data em que começam a voar. Eu compreendo o fascínio pelas crias mas há que "limitar os estragos".
Noto ainda que este estudo não incluiu outros factores como o impacto que uma população humana maior e mais rica, e infrastuturas ligadas a um número razoável de turistas, como a rede de saneamento básico, tratamento de esgotos, ocupação do espaço para pousadas e locais de lazer, poderão ter sobre o meio ambiente local. O "eco" no ecoturismo não significa nada se não for acompanhado de uma regulamentação apertada e de estudos científicos no terreno, mas com cautela pode ser um aspecto importante nos programas de conservação.
Por incrível que pareça ainda vou voltar a estes animais, mas para analisar a filogenia destas aves, e a sua relação de parentesco algo controversa com outros grupos de aves. Demorarei algum tempo com outros temas, mas é provável que na próxima semana apareça a questão: serão as aves ciganas parentes das pombas da paz ou das gigantescas aves do terror?
Ficha técnica
Imagens retiradas desta página do Biozentrum der Bayerische Julius-Maximilians-Universität Würzburg, ou então da tese de Antje Müllner de que falei nesta contribuição.
Referências
(ref1) Antje Mullner, K. Eduard Linsenmair, Martin Wikelski (2004). Exposure to ecotourism reduces survival and affects stress response in hoatzin chicks (Opisthocomus hoazin). Biological Conservation 118, 549–558. Laço DOI.
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