segunda-feira, novembro 27, 2006

A necrofilia das moscas macho que lutam como meninas

O número de leitores deste blog tem vindo a cair de forma acentuada, pelo que decidi tomar medidas drásticas antes que desça a zero. Resolvi assim apimentar um pouco as coisas, recorrendo às criaturas da imagem, as moscas do vinagre, Drosophila melanogaster. O macho (esquerda) e fêmea da imagem podem ter um aspecto simpático mas trata-se de animais aguerridos. Nesta contribuição vou falar de combates, trocas do comportamento típico dos sexos, e mesmo relações sexuais com cadáveres. Com filmes e tudo. Se isto não atrair mais visitas não sei o que o fará. [... ler mais]

Eu tenho referido aqui por várias vezes que as actividades dos cientistas não dão lá grande tema de conversa em situações sociais. Encontrei mais um exemplo, num comunicado de imprensa relativo a um artigo sobre moscas do vinagre, de que falarei adiante. Nas palavras de Edward Kravitz, um estudioso da influência dos genes no comportamento animal:

Quando se tenta explicar isso aos filhos -- "Pai, o que fizeste hoje?" "Bem, eu tinha estas duas moscas do vinagre, filho, e estava a ver se arranjava maneira de fazer com que lutassem." Pensem nisso.

Mas o mais delicioso é o que vem em seguida. Para levarem os machos a lutar os investigadores usavam a presença de fêmeas. Só que muitas vezes elas iam-se embora. A forma como os investigadores resolveram esse problema tem o seu quê de macabro. Ainda nas palavras de Kravitz:
Quando transferiu a fêmea para o prato e acidentalmente lhe esmagou a cabeça, o meu estudante descobriu que os machos não se importavam se ela tinha cabeça ou não. Essa é a história verdadeira do que nos levou a cortar as cabeças das fêmeas nos estudos subsequentes.

Os machos realmente não queriam saber para nada das capacidades mentais das fêmeas:
Eles cortejavam a fêmea morta, sem cabeça, e às vezes tentavam mesmo copular com ela.
Depois da parte com as referências à necrofilia vamos então aos combates. O estudo de Eleftheria Vrontou e colegas na revista nature neuroscience (ref1), foca o papel de um gene, que os autores chamam fruitless, a que eu me referirei adiante com infrutífero, no comportamento de combate das moscas do vinagre. Numa tradução livre do resumo:
Quando competem por recursos, duas moscas Drosophila melanogaster do mesmo sexo lutam uma com a outra. Machos e fêmeas lutam com estilos marcadamente distintos, e os machos, mas não as fêmeas, estabelecem relações de dominância. Mostramos aqui que a formulação específica em função do sexo do gene infrutífero desempenha um papel fundamental no determinar com quem e como uma mosca luta, e se se forma uma relação de dominância.

O estudo é resultado de muitas horas de observação do comportamento das moscas do vinagre. Os autores arranjaram uma estranha arena, não percebo realmente do que se trata, que possuía alimento para atrair as moscas. Colocavam aí então um par de moscas e esperavam pelo confronto. Neste estudo não houve lugar a decapitações, nem necrofilia, isso foi apenas sensacionalismo barato para atrair leitores (não é totalmente verdade, irei falar desse estudo no futuro).

Em condições normais, as moscas macho, quando competem por algo, lutam de uma forma em que vale tudo: empurrões, cabeçadas e mesmo o equivalente drosofiliano de murros. Um filme (185 kbytes) da coisa acompanha o artigo. É verdadeiramente esclarecedor, trata-se de tareia a sério. As fêmeas lutam de forma mais delicada, tal como se pode ver neste outro filme (267 kbytes). Tudo muito suavezinho: uns empurrões ligeiros aqui, uns toquezitos com a cabeça ali. Enfim, coisa de meninas, só faltou puxarem as antenas uma à outra.

Ora machos e fêmeas, em condições normais, possuem formas distintas do tal gene infrutífero. Quando os investigadores colocaram o gene típico das fêmeas nos machos eles passaram a lutar "como meninas", e vice-versa. Vejam aqui o desempenho de combate de dois machos com o géne infrutífero fêmea em filme (269 kbytes). Lutam realmente como meninas.

Este estudo não se destina apenas a ver luta livre de moscas, por muito interessante que ela possa parecer. O objectivo é muito sério. Trata-se de compreender como funciona a agressividade. Pelos vistos nas moscas um só gene tem um papel fulcral na forma como o sistema nervoso controla esse comportamento. O próximo passo é obviamente passar da genética para a neurociência, isto é, compreender o que se passa nos neurónios das mosquinhas.

Confesso que fiquei fascinado com as cenas de pugilismo entre as moscas do vinagre. Ainda andei ver na minha cozinha mas não encontrei nenhuma, e com o frio que faz por aqui não vale a pena deixar a janela aberta para ver se atraio alguma. Já agora, não é a primeira vez que falo aqui de drosófilas. Já tinha falado dos gigantescos espermatozóides novelo da D. bifurca nesta contribuição.

Ficha técnica
Comunicado de imprensa de onde foram retiradas as citações iniciais pode ser encontrado aqui.
Imagens das moscas do vinagre cortesia da NASA (é isso mesmo estes insectos foram ao espaço).

Referências
(ref1) Eleftheria Vrontou, Steven P Nilsen, Ebru Demir, Edward A Kravitz & Barry J Dickson (2006). fruitless regulates aggression and dominance in Drosophila. Nature Neuroscience vol 9, 1469-1471. Laço DOI.

3 comentários:

Anónimo disse...

Apesar de sinistro o comportamento necrófilo dos moscardos, fica a questão: o quanto de feromonas a fêmea decapitada ainda emitia?

Eu crio cães e sei como os machos ficam alucinados com uma fêmea no cio. E não são animais efêmeros como as moscas...

Mas olha que esta pesquisa é séria candidata a um Prêmio IgNóbel...

Anónimo disse...

Conheço alguns machos, de uma outra espécie aí, que também prefere fêmeas sem cabeça....

=)

Anónimo disse...

Bruno, estás a ser injusto... Afinal um par de belos olhos castanhos não ficariam muito bem na barriga, por exemplo...

E, se a espécie a que te referes, é a mesma que eu penso, não é que os machos prefiram as fêmeas sem cabeça: apenas preferem as que não as usam...