terça-feira, outubro 17, 2006

Piolho de peixe


Esta foto de Alexandra Morton mostra um parasita, o Lepeophtheirus salmonis, também chamado piolho do mar. Esta animal é um incómodo para os salmões adultos, embora em geral não coloque em grande perigo as suas vidas. As coisas são um pouco diferentes para os juvenis dos salmões, pois quando se tem menos de 3 centímetros de comprimento uma só destas criaturas pode ser suficiente para provocar a morte. Nas populações de salmão selvagem a mortalidade juvenil dos salmões devido a estes parasitas não é muito elevada. Isso sucede porque os piolhos do mar não conseguem sobreviver em água doce e assim os jovens salmões nascem num ambiente livre de piolhos. Quando os jovens seguem para o mar vivem durante bastante tempo longe dos cardumes dos adultos, pelo que a probabilidade de serem atacados pelos parasitas é muito pequena. O problema é que os seres humanos intrometeram-se nesta relação entre os salmões e os seus parasitas. [... ler mais]

As coisas mudaram com o aparecimento destas coisas que nos últimos decénios têm invadido zonas costeiras em muitas partes do mundo:

Embora eu pessoalmente prefira sardinhas, e não goste por aí além de salmão, um grande número de pessoas parece considerar esse peixe uma iguaria, e as explorações de aquicultura intensiva de salmão têm crescido como cogumelos. Para além do carácter insensato desta actividade, pois trata-se um carnívoro que tem que ser alimentado com produtos de origem animal, a concentração de peixes num espaço tão pequeno levanta problemas ecológicos graves. Os salmões aprisionados num volume muito pequeno, com um volume de água por animal correspondente ao de uma banheira, contraem todo o tipo de doenças que transmitem às populações selvagens. Para além disso, os animais presos adquirem enormes cargas de parasitas. Durante algum tempo discutiu-se até que ponto o problema seria grave, com as multinacionais que controlam a aquicultura a tentarem pintar um quadro de tons suaves. Pois bem o debate acabou. O panorama é desastroso. Após um estudo exaustivo Martin Krkosek e colegas publicaram um artigo verdadeiramente arrepiante nos Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1). Numa tradução livre do resumo:

O declínio continuado das zonas de pesca e o aumento do consumo global de peixe levou a um aumento da aquicultura de 10% ao ano no último decénio. A associação das explorações piscícolas com o aparecimento de doenças em populações simpátricas de peixes selvagens permanece uma das ameaças que a aquicultura coloca aos ecossistemas costeiros e zonas pesca mais controversas e por resolver. Relatamos uma análise exaustiva da progressão e impacto de parasitas com origem em explorações piscícolas na sobrevivência de populações de peixes selvagens. Juntámos conjuntos de dados sobre a transmissão e patogeneicidade de piolhos do mar (Lepeophtheirus salmonis) em juvenis de salmões rosa (Oncorhynchus gorbuscha) e salmão chum (Oncorhynchus keta) migradores. Piolhos com origem nas explorações induziram uma mortalidade de 9-95% em várias populações simpátricas de salmões rosa e chum selvagens. As epizootias surgem através de um mecanismo que é novo para a nossa compreensão de doenças infecciosas emergentes: as explorações piscícolas sabotam o papel funcional da migração dos hospedeiros na protecção de hospedeiros juvenis de parasitas associados com hospedeiros adultos. Embora os ciclos de vida migratórios do salmão do Pacífico separem naturalmente os adultos dos juvenis, as explorações piscícolas fornecem ao Lepeophtheirus salmonis acesso a hospedeiros juvenis, neste caso aumentando as taxas de infecção durante pelo menos os primeiros 2.5 meses da vida marinha dos salmões (cerca de 80 km da rota migratória). A separação espacial entre juvenis e adultos é comum em peixes de águas temperadas, e com a continução do crescimento rápido da aquicultura, este mecanismo de doença pode desafiar a sobrevivência das economias e dos ecossistemas costeiros.

O ênfase é meu. Os pobres juvenis não têm hipótese, no seu caminho para o mar há uma nuvem de piolhos proveniente das explorações de salmão à qual não conseguem escapar. O salmão selvagem caminha para a extinção se a actividade das multinacionais de aquicultura intensiva continuar ou não for modificada. No Canadá, onde este estudo foi efectuado, não é apenas o salmão que está em perigo, todo o ecossistema fluvial que depende da migração dos salmões, incluindo por exemplo os ursos e águias pesqueiras, está em risco. Tudo para que alguns europeus e norte-americanos possam comer regularmente salmão. Como leitura de introdução ao tema recomendo a leitura do artigo da Watershed Watch Salmon Society (ref2).

Ficha técnica
Imensas imagens dos vários estágios de ataque por parasitas, da autoria de Alexandra Morton pode ser encontradas nesta página da Universidade Simon Fraser. Devo avisar que impressionam um bocado.

Referências
(ref1) Martin Krkosek, Mark A. Lewis, Alexandra Morton, L. Neil Frazer, and John P. Volpe (2006). Epizootics of wild fish induced by farm fish. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, Laço DOI
(ref2) Watershed Watch Salmon Society (2004). Sea Lice and Salmon: Elevating the dialogue on the farmed-wild salmon story.PDF.

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