quinta-feira, outubro 26, 2006

A ave que lançava o terror no Brasil

Esta criatura é uma Paraphysornis brasiliensis, membro de um grupo de aves predadoras que habitaram nas américas até tempos muito recentes, os Phorusrhacidae. Esta ave erguia a sua cabeça acima do chão a uma altura superior à de um homem adulto médio. O seu crânio media qualquer coisa como 60 cm. Não se tratava do maior membro da sua família, outras espécies eram ainda maiores, pelo que não espanta que a designação mais comum destas aves seja "as aves do terror". Os Phorusrhacidae foram os predadores dominantes nos ecossistemas sul americanos durante dezenas de milhões de anos. Os competidores das aves do terror durante a maior parte da sua existência foram carnívoros marsupiais, incluindo criaturas que se assemelhavam a gigantescos gambás assassinos com dentes de sabre. [... ler mais]

A Paraphysornis brasiliensis foi descrita pela primeira vez por Herculano Alvarenga em 1982, e o mesmo autor, com a colaboração de Elisabeth Höfling, em 2003, examinou as relações entre as várias famílias que se incluíam nas aves do Terror. O artigo, publicado nos Papéis Avulsos de Zoologia do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (ref1), inclui no final um resumo em português.

Foram estudados os fósseis de aves atribuídos à família Phorusrhacidae depositados em diversos museus da América do Sul, da América do Norte e da Europa, com o objetivo principal de caracterizar esta família e reorganizar o estado caótico que até então envolvia a nomenclatura e classificação destas aves. A reconstituição de algumas espécies é feita, com o propósito de formar uma idéia sobre o tamanho, massa corpórea, postura e hábitos com base no esqueleto das mesmas. As formas européias, Ameghinornis minor e Aenigmavis sapea são refutadas como pertencentes à esta família. São refutadas ainda várias formas do Terciário da Argentina, descritas com base em segmentos de esqueleto, insuficientes para uma plena identificação como é o caso dos gêneros Cunampaia, Smiliornis, Pseudolarus, Lophiornis e Riacama, freqüentemente referidos como pertencentes aos Phorusrhacidae.

Depois de verificar que as formas europeias afinal estavam fora da família a origem geográfica e temporal destes animais parece clara:
A família Phorusrhacidae certamente originou-se na América do Sul pelo final do Cretáceo, como resultado de um endemismo formado pelo isolamento dessa porção de terra. Pelo final do Plioceno, com a emersão do istmo do Panamá, a família estendeu-se até a América do Norte onde pelo menos uma espécie, Titanis walleri que talvez represente a última conhecida desta família, que extinguiu-se no início do Pleistoceno.

A América do Sul foi durante muito tempo uma gigantesca ilha, separada das outras massas continentais. Com o fim desse isolamento, no Pliocénico, e a junção entre as américas, as aves do terror invadiram a massa continental do norte, onde conseguiram competir durante bastante tempo com mamíferos placentários como felinos, canídeos e ursos.

Alvarenga e Höfling removeram muitos géneros da família Phorusrhacidae, mas mesmo assim ainda sobrou muita coisa:
A revisão sistemática foi conduzida com inúmeros problemas de nomenclatura e a família Phorusrhacidae passa então a ser constituída de cinco subfamílias, ou seja: Brontornithinae, Phorusrhacinae, Patagornithinae, Psilopterinae e Mesembriornithinae, nas quais se distribuem 13 gêneros e 17 espécies. Os caracteres de todos os táxons são descritos e finalmente é apresentada uma distribuição geocronológica de todas as espécies.

Eis aqui reconstruções de algumas espécies incluídas nos Phorusrhacidae. As dimensões relativas estão correctas, e para referência indica-se a altura média de um homem adulto.

O artigo fornece alguns números. A Brontornis burmeisteri foi uma das maiores aves que existiu, com o dorso a uma altura de 1.75 metros, e a cabeça quando bem levantada erguer-se-ia a cerca de 2.80 metros. O peso andaria entre os 350 a 400 kg. A Paraphysornis brasiliensis era ligeiramente menor, 1.40 metros no dorso, a cabeça 2.40 metros acima do solo, peso por volta dos 180 kg. Embora ligeiramente maior, o Phorusrhacus longissimus era de constituição mais ligeira e devia pesar cerca de 130 kg. A Andalgalornis steulleti teria o dorso cerca de um metro acima do solo e pesaria cerca de 40 a 50 kg. O Psilopterus bachmanni, uma das aves do terror mais pequenas andaria por volta dos 5 kg de peso, e mesmo com o pescoço bem estendido a cabeça não se erguia acima dos 80 cm. Todas as aves do terror conhecidas seriam incapazes de voar, incluindo mesmo as mais pequenas como o Psilopterus bachmanni.

A história destas aves começou de forma curiosa em 1887 com a descoberta duma mandíbula de Phorusrhacus longissimus que foi atribuída a uma preguiça! Só em 1891 esse erro foi corrigido, altura em que vestígios doutras espécies desta família tinham já sido encontrados. Algo de muito interessante acerca destes animais tem a ver com a descoberta dos ossos das "asas" da espécie Titanis walleri. Um artigo de Chandler em 1994, no Bulletin of the Florida Museum of Natural History (ref2), mostrou que as aves do terror estariam a desenvolver mãos a partir da suas asas. As aves do terror possuíam braços fortes, e na Titanis os ossos estavam modificados de tal forma que a forçavam a manter os braços na frente do corpo, com as palmas viradas para dentro. Parecia também ter um dos dedos muito móvel, e Chandler sugeriu que esse dedo suportaria uma garra que poderia ser usada para dominar e manobrar as suas presas.

Não se sabe até que ponto isto é característico das outras Phorusrhacidae, pois a maioria dos esqueletos descobertos são muito incompletos. É no entanto interessante imaginar que até há relativamente pouco tempo existiam na América do Sul predadores emplumados com mais de 2 metros de altura, bípedes, e com mãos capazes de agarrar. Para muitos autores as aves são um ramo dos dinossauros terópodes, o que significa que no Brasil os dinossauros foram até há poucos milhões de anos os carnívoros dominantes. Embora não tivessem voltado a criar dentes nem caudas compridas, eram uma boa aproximação aos velociraptores que aparecem nos filmes do Parque Jurássico.

Este artigo foi motivado por uma descoberta recente, publicada esta semana. Voltarei ao tema das aves do terror, provavelmente durante o fim de semana.

Referências
(ref1) Herculano M.F. Alvarenga, Elisabeth Höfling. SYSTEMATIC REVISION OF THE PHORUSRHACIDAE (AVES: RALLIFORMES). Papéis Avulsos de Zoologia, Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Volume 43(4):55-91. PDF.
(ref2) Chandler, R. 1994. The wing of Titanis walleri (Aves: Phorusrhacidae) from the late Blancan of Florida. Bulletin of the Florida Museum of Natural History, Biological Sciences 36:175-180.

1 comentários:

Anónimo disse...

Wish this was in Ingles. :)