domingo, outubro 22, 2006

Prós e contras das várias maneiras de exorcizar o diabo

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Esta imagem mostra um diabo da Tasmânia macho, como os leitores mais atentos terão seguramente reparado, numa pose defensiva. Esta postura é adequada ao momento delicado que a espécie atravessa. Falei aqui, numa contribuição anterior, da estranha maleita que está afectar estes animais. Os cientistas acreditam que os tumores faciais que estão a matar os animais são devidos a uma estirpe de células cancerosas que se originaram num diabo há pelo menos dez anos, e que desde então têm mantido uma existência independente. A doença tem neste momento foros de epidemia e coloca mesmo em risco a sobrevivência desta criatura que, apesar do mau feitio, não deixa de despertar alguma simpatia. A posição das autoridades e dos cientistas é saber que providências tomar. Se esperarem demasiado, a extinção pode ser irreversível, mas, por outro lado, qualquer iniciativa a tomar pode também acarretar consequências desastrosas. [...ler mais]

Os prós e os contras das várias abordagens possíveis são discutidas num artigo recente de Hamish McCallum e Menna Jones na revista PLoS Biology (ref1). Para terem uma ideia do quão horríveis são os efeitos da doença, resolvi incluir uma imagem. Previno com antecedência, que impressiona um bocado. Para ver clicar aqui. Este tumores, para além da dor e do desconforto que devem provocar, tornam difícil para o animal alimentar-se convenientemente, e os diabos acabam por morrer de fome poucos meses após contrairem a doença. A questão é o que fazer para impedir que todos os diabos sigam o exemplo do infeliz animal na foto.

McCallum e Jones começam com uma breve descrição da situação:
Ao tempo da chegada dos europeus, a Tasmânia era o último refúgio dos dois maiores carnívoros marsupiais, o tilacino (ou tigre da Tasmânia), Thylacinus cynocephalus, e o diabo da Tasmânia, Sarcophilus harrisii. A extinção do tilacino é talvez a mais conhecida das muitas extinções de mamíferos australianos desde a colonização pelos europeus. Foi parcialmente atribuída à doença, embora haja poucos indícios físicos que apoiem essa possibilidade. Em 1996, no nordeste da Tasmânia, foram fotagrados diabos da Tasmânia com o que aparentavam ser grandes tumores nas suas faces. Relatórios esporádicos continuaram durante os cinco anos que se seguiram. Por volta de 2005, os tumores ocorriam em mais de metade do território da espécie, e estavam associados a declínios substanciais da população. No seguimento do receio de que a doença pudesse causar a extinção do diabo, a espécie foi listada como vulnerável à extinção aos níveis nacional e do estado. Nas palavras que Oscar Wilde colocou na boca da Lady Bracknell, perder um grande carnívoro marsupial pode ser encarado como um infortúnio; perder ambos pareceria falta de cuidado.

As coisas não são de facto fáceis. É preciso agir depressa, mas o que quer que se faça será baseado num conhecimento muito incompleto do que se passa no terreno. Os autores colocam a questão da seguinte forma: como se deve agir quando se sabe muito pouco? No cenário actual, mesmo causas de mortalidade com que as populações de diabos conseguem lidar no presente, como atropelamentos, outras doenças, perda de habitat, e perseguição pelos humanos, podem levá-los à extinção. Daí a urgência em agir.
As opções incluem: (1) redução das taxas de contacto entre indivíduos infectados e indivíduos susceptíveis, incluindo quarentena e movimentos de controlo; (2) abate de indivíduos infectados; (3) abate de todos os indivíduos numa dada área; (4) vacinação ou tratamento profilático semelhante de indivíduos não infectados; e (6) descontaminação do ambiente.

Segundo os autores, o primeiro passo é estabelecer uma população livre de doença em cativeiro ou em locais que possam ser isolados da doença. Esta abordagem deve funcionar pois não parece existir um vector para a doença, que exige contacto entre indivíduos. A opção deve ser vista contudo como uma medida de segurança, embora provavelmente não suficiente para salvar a espécie na natureza, pois uma reintrodução é sempre um assunto delicado.

A redução de contacto entre indivíduos e a quarentena são difíceis de estabelecer, mesmo que se tente manipular a distribuição de alimento e as interacções sociais. O tratamento dos animais infectados ou a vacinação é seguramente o método de acção mais ético. Os autores notam no entanto uma série de aspectos a considerar. No caso de outra doença causada por uma estirpe de células cancerosas, o sarcoma venéreo dos cães, há um procedimento clínico que obtém bons resultados, mas que exige tratamentos de tipo intravenoso que, numa população selvagem, são impracticáveis. Além disso o tempo de conseguir uma cura ou gerir o tratamento poderão ser demasiado longos.

A questão seguinte é a da infecciosidade. Se for muito elevada, o que não parece ser o caso, então o abate de todos os animais numa dada área é uma opção válida. Isso sucede por exemplo com doenças do gado como a febre aftosa, e todos temos presentes as hecatombes de galinhas e outras aves de capoeira com a questão da gripe aviária. Os autores notam no entanto o problema com esta opção:
Para animais domésticos, restabelecer a população pode ser caro, mas é relativamente simples do ponto de vista biológico. Contudo, um abate generalizado é uma estratégia de alto risco para as espécies selvagens. Irá seguramente aumentar a probabilidade de extinção, pelo menos à escala local, e o restabelecimento é muitas vezes difícil, com problemas importantes relacionados com a perda de diversidade genética. Para além disso, tentar eliminar uma espécie numa parte substancial do seu presente domínio seria quase de certeza política e eticamente inaceitável bem com logisticamente muito difícil.

Um pouco adiante, ainda sobre este aspecto:
Mostrou-se que um abate deste tipo é contraproducente nalguns casos, pois pode levar à quebra da organização social com um aumento do mobilidade e, como consequência, a um aumento na transmissão da doença.

Uma opção menos drástica é o abate selectivo, ou seja, matar apenas os indivíduos doentes.
As consequências negativas potenciais desta estratégia são muito menores que as do abate não selectivo; contudo, se os indivíduos infectados tiverem valor reprodutivo, esse valor tem que ser pesado contra o benefício de os remover como fontes potenciais de infecção.

Segundo os autores, modelos epidemiológicos e experiências de controlo poderão ajudar, mas o problema é o tempo: esperar até que se recolham dados suficientes para verificar quais os modelos que serão viáveis é pouco aconselhável. Todos os cenários que se enfrentam neste momento são desagradáveis, mas algo tem que ser feito e depressa. Segundo McCallum e Jones o abate selectivo é possivelmente a estratégia com maior possibilidade de salvar a espécie.

Referências
(ref1) McCallum H, Jones M (2006). To Lose Both Would Look Like Carelessness: Tasmanian Devil Facial Tumour Disease. PLoS Biol 4(10): e342. Laço DOI.

1 comentários:

Anónimo disse...

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