quinta-feira, abril 19, 2007

O crocodilo nanico que caçava de noite

Terça-feira passada foi apresentada no Rio de Janeiro, com pompa e circunstância, a descoberta de uma nova espécie fóssil, o Adamantinasuchus navae, com base em vestígios de uma criatura que teria vivido há cerca de 90 milhões de anos atrás. Foi descoberta por William Nava, coordenador do Museu de Paleontologia de Marília, no interior do estado de São Paulo, nas imediações de uma barragem de construção recente, que se encontrava em processo de enchimento. A idade dos vestígios faz-nos pensar de imediato em dinossauros, e existiam nessa altura no Brasil alguns bem grandinhos. Mas este animal não era um dinossauro mas sim um parente mais próximo dos actuais crocodilos. Era no entanto muito diferente em vários aspectos, a começar pelo tamanho. É que o Adamantinasuchus navae seria aquilo que no Brasil se chama um nanico e em Portugal um meia-leca. Do focinho à ponta da cauda teria apenas 50 centímetros, e em altura faria lembrar um cachorro chihuahua. [... ler mais]

A descoberta é descrita por Pedro Henrique Nobre e Ismar de Souza Carvalho da Universidade Federal do Rio de Janeiro na revista Gondwana Research (ref1). A introdução deste artigo descreve a descoberta de uma forma acessível, mas primeiro um pouco de notação taxonómica, para os mais entendidos nestas coisas da paleontologia:

O estudo presente analisa um novo taxón de Crocodylomorpha relacionado aos Notosuchimorpha, um clado dos Mesoeucrocodylia. Este clado encontra-se amplamente distribuido no Cretácico de Gondwana, com muitas espécies na América do Sul, África e Ásia.

Depois de ter indicado os nomes que se usam para catalogar este animal, vamos então ao que interessa. A que se assemelhava o Adamantinasuchus? Os restos do corpo do animal são algo fragmentários, uns quantos bocados dos fémures direito e esquerdo, algumas vértebras, fragmentos de rádio e de ulna (cúbito), uns poucos metatarsos e falanges. Recuperou-se contudo muito do crânio, incluindo dentes, narinas e a região das órbitas. O animal é bastante peculiar para crocodilomorfo, e os restos permitem mesmo inferir algo sobre o seu modo de vida:
A nova espécie caracteriza-se por uma dentição especializada e complexa, cuja morfologia é única entre os crocodilomorfos. Exibe também adaptações claras para uma vida de hábitos terrestres, isto é, as narinas externas estão colocadas numa posição anterior e vertical e as grandes órbitas numa posição lateral.

Como referi no início, o animal era muito pequeno, o crânio mede apenas 6 centímetros de comprimento e 3 centímetros de altura. Eis aqui uma figura retirada do artigo que mostra o crânio. Há uma profusão de letras na figura que marcam a posição de várias características importantes.

Para além das narinas exteriores (indicadas pelo ou na figura) e das órbitas, que indiciam hábitos terrestres, os dentes também dão pistas sobre o modo de vida . Notem a caixa marcada por it, onde se vê um dente incisiforme (semelhante a incisivo) claramente inclinado para fora. Notem também a presença de dentes molariformes, isto é semelhantes a molares, dentro da caixa indicada com o mt.

Eis aqui uma vista do outro lado, onde se pode ver um dente caniniforme (ct na figura) de dimensões apreciáveis.

Os dentes molariformes possuem uma ornamentação notável (quer dizer com cristas e dentículos) e merecem ser apreciados de mais perto, eis aqui duas perspectivas.

Ora o que é que o Adamantinasuchus navae fazia com estes dentes?
A notável morfologia dentária do A. navae, o grande tamanho das órbitas, a jugal em forma de lâmina, e o grande arquear da mandíbula, constituem uma combinação morfológica única entre os crocodilomorfos conhecidos. Contrastando com outras espécies conhecidas no Cretácico, o A. navae não apresenta abrasão nos seus dentes devida a mastigação ou relacionado com movimentos anteroposteriores da mandíbula tais como observados em Sphagesaurus huenei e Mariliasuchus amarali.

A última frase tem a ver com outros crocodilomorfos que modiam movimentar a mandíbula para os lados e que mastigavam a comida, um indicador de que poderiam ter hábitos parcialmente herbívoros. Não se podendo excluir o consumo de matéria vegetal, o
A. navae seria contudo sobretudo um consumidor de carne.
A sua dieta seria provavelmente carnívora-necrófaga ou omnívora, baseada na captura de pequenas presas vertebradas e talvez incluindo também o consumo de carcaças a apodrecerem. É provável que os dentes anteriores, quer os incisiformes quer os caniniformes hipertrofiados, fossem usados para prender a comida, enquanto os molariformes posteriores teriam servido para a esmagar e cortar.

Em vários comunicados de imprensa os autores, baseando-se no grande tamanho dos olhos, sugerem hábitos nocturnos para o animal, embora nesta ilustração, que acompanha a maioria desses comunicados, apareça em pleno dia a caçar um insecto com os seus dentes peculiares.

Referências
(ref1) Pedro Henrique Nobre e Ismar de Souza Carvalho (2006). Adamantinasuchus navae: A new Gondwanan Crocodylomorpha (Mesoeucrocodylia) from the Late Cretaceous of Brazil. Gondwana Research 10(3-4): 370-8. Laço DOI.

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