quarta-feira, abril 25, 2007

Em Abrolhos com os olhos bem abertos

Se Helena apartar
Do campo seus olhos,
Nascerão abrolhos...

Este é o mote de um conhecido poema da lírica camoniana, em que é referida a planta que se mostra na imagem, os tais abrolhos. Designada cientificamente por Tribulus terrestris, esta planta, comum na Península Ibérica, é um dos vegetais mais caluniados na poesia de língua portuguesa. O facto de o nome rimar com olhos não é apenas uma feliz coincidência poética, a designação vem de «abre os olhos», um aviso adequado a uma planta com um fruto espinhoso, sobretudo para quem andasse descalço pelos campos. Esta história de plantas e poesia é na verdade apenas uma introdução para um outro arregalar de olhos, motivado pela descoberta de uma "nova" espécie animal. É que o animal em questão era, e continua a ser, uma presença assídua nas mesas de muitos brasileiros. Os cientistas andavam distraídos, e não deixa de ser estranhamente adequado que a criatura tenha sido estudada no Arquipélago de Abrolhos, no litoral brasileiro, no sudoeste da Bahia. [... ler mais]

A origem da expressão no mar é a mesma que em terra firme, a advertência «abre os olhos». Este nome entrou para a nomenclatura náutica como designação para acidentes no relevo submarino, que podem aflorar como rochedos ou pequenas ilhas em zonas de recifes ou baixios. O "novo" animal estudado em Abrolhos é um peixe com o nome científico Lutjanus alexandrei, uma criatura comum nos recifes das costas do Maranhão até ao sul da Bahia. Trata-se de um peixe pertencente à família dos Lucianídeos (Lutjanidae) do qual se mostra aqui ao lado uma imagem de um juvenil. A descoberta é descrita na revista Zootaxa (ref1), num artigo de Rodrigo Moura e Kenyon Lindeman. Numa tradução livre do resumo
Os lucianos da família Lutjanidae incluem algumas das espécies mais importantes das zonas pesqueiras de recifes no Atlântico oeste tropical. Apesar da sua importância, existem lacunas consideráveis quer para a sistemática, quer para a informação ecológica, em particular para o sudoeste do Atlântico. Esforços recentes de recolha ao longo da costa do Brasil resultaram na descoberta de muitas novas espécies de peixes de recife, incluindo espécies com importância comercial de peixes-papagaio (Scaridae) e roncadores (Haemulidae). Com base em recolha no local, exemplares em museus, e referências na literatura, descrevemos uma nova espécie de luciano, Lutjanus alexandrei, que é aparentemente endémico da costa brasileira.

Endémico significa que esta criatura só existe no Brasil.
Os estádios iniciais de maturidade e do início da vida juvenil são também descritos. Esta espécie é comum em muitos sistemas costeiros estuarinos e de recifes brasileiros onde foi muitas vezes descrito erradamente como sendo a castanhola-cinzenta Lutjanus griseus, ou o luciano L. apodus.

Os nomes comuns dos peixes variam muitas vezes de pescador para pescador e não me admiraria se a designação destas criaturas fosse diferente no Brasil. O que mais facilmente distingue a espécie brasileira das outras duas é a presença de seis barras brancas, estreitas e verticais, no Lutjanus alexandrei, claramente visíveis na imagem abaixo:

A identificação da nova espécie lançou dúvidas acerca do que se assumia previamente para os limites na distribuição a sul dos L. griseus e L. apodus, e trabalho subsequente no campo e em museus confirmou que essas espécies não eram registadas de forma fiável no Brasil.

Esta é uma daquelas coisas verdadeiramente surpreendentes, e tenho que agradecer à Malla que viaja pelo mundo a chamada de atenção para esta história. Quem diria, alguns dos leitores deste blogue poderão ter degustado durante anos nos seus pratos uma espécie desconhecida da ciência. A Conservation International do Brasil tem um comunicado (em português) sobre esta espécie "desconhecida".

Não podia terminar sem mais uma imagem de abrolhos, na sua versão vegetal,


e sem recitar (de memória) o tal poema de Camões, dedicado a todas as Helenas de olhos verdes:
A verdura amena,
gados, que pasceis,
sabei que a deveis
aos olhos de Helena.
Os ventos serena,
faz flores de abrolhos,
o ar de seus olhos.

Faz serras floridas,
faz claras as fontes:
se isso faz nos montes,
que fará nas vidas?
Trá-las suspendidas
como ervas em molhos,
na luz de seus olhos.

Os corações prende
com graça inumana
de cada pestana
üa alma lhe pende.
Amor se lhe rende,
e, posto em giolhos,
pasma nos seus olhos.


Ficha técnica
Imagem de abrolhos cortesia de Forest & Kim Starr/USGS.

Referências
(ref1) RODRIGO L. MOURA & KENYON C. LINDEMAN (2007). A new species of snapper (Perciformes: Lutjanidae) from Brazil, with comments on the distribution of Lutjanus griseus and L. apodus. Zootaxa 1422: 31-­43. PDF.

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