quarta-feira, fevereiro 15, 2006

O travo amargo do adoçante

Muitos produtos utilizados na dieta alimentar das populações em países industrializados contêm um sem número de adoçantes artificiais, corantes, conservantes, aromas e sabores. Quando se junta a isso os processos de fabrico, embalagem, esterilização e distribuição de alimentos, os consumidores deveriam mostrar-se bastante mais apreensivos, sobretudo quanto a efeitos de longo prazo sobre a saúde, principalmente os aspectos cancerígenos. Claro que se pode sempre argumentar que existem inúmeros estudos do impacto destas substâncias sobre a saúde humana, e que os produtos e processos são seguros. Ou será que não? [... ler mais]

Num artigo na revista Environmental Health Perspectives, Morando Soffritti e colegas avaliaram o efeito do adoçante artificial aspartame (APM). Este produto é utilizado há mais de 30 anos como aditivo alimentar, sendo encontrado em mais de 6,000 produtos que incluem refrigerantes gaseificados, doces, pastilha elástica, iogurtes, e substitutos do açucar. Segundo o Centro de Informação do Aspartame (2005) o APM é consumido por 200 milhões de pessoas em todo o mundo. Sendo um produto tão largamente utilizado foi obviamente alvo de um vasto número de estudos. Morando Soffritti e colegas justificam no entanto a necessidade do estudo que levaram a cabo (tradução livre do original):

Embora todos os estudos mencionados tenham sido considerados negativos no que respeita ao carácter carcinogénico do APM, na nossa opinião esses estudos não seguiram as regras básicas que hoje em dia se seguem para testar o potencial carcinogénico de um agente químico ou físico, em particular no que se refere ao número de animais em cada grupo experimental e à duração da experiência até às 110 semanas de idade dos animais.

Por estas razões, e à luz da difusão sempre crescente do APM na dieta dos países industrializados (em particular nos produtos consumidos por crianças pequenas e mulheres grávidas), considerámos ser importante realizar uma mega-experiência seguindo as boas regras laboratoriais, tal como são entendidas internacionalmente hoje em dia, para testes de carácter carcinogénico e, mais especificamente, os testes englobando todo o tempo de vida seguidos há já muitos anos no CMRC e descritos em publicações anteriores.
A mega-experiência mencionada pelos autores durou cerca de 3 anos e consistiu em adicionar à dieta de uma amostra de 1,800 ratos de laboratório, divididos em diversos grupos de controlo, diferentes doses de APM. Os ratos foram então seguidos até ao fim das respectivas vidas (o último animal morreu com 159 semanas) e depois dissecados para avaliar os efeitos do APM. Os resultados são preocupantes, e eu vou poupar aqui a descrição da incidência de vários tipos de cancro que apareceram nos animais a quem foi ministrado APM quando comparados com um grupo aos quais não foi dada a substância. Digamos apenas que não deixam qualquer tipo de dúvidas. Passando directamente às conclusões:
O nosso estudo mostra que o APM é um composto carcinogénico com múltiplas potencialidades cujos efeitos são evidentes mesmo a doses diárias de 20 mg/kg de peso corporal (pc), muito menos que a dose diária indicada para seres humanos na Europa (40 mg/kg pc) e nos EUA (50 mg/kg pc).

Os resultados dos testes de carcinogenicidade em roedores são indicadores consistentes de riscos de cancro em seres humanos. Os resultados no nosso estudo chamam por isso por uma re-exanimação urgente das directivas actuais quanto ao uso e consumo de APM. A decisão de utilizar dados experimentais para protegar a saúde pública é importante porque o intervalo de tempo de uso alargado de APM é ainda demasiado breve para ter produzido evidência epidemiológica sólida. Para além disso, é pouco provável que dados suficientes se tornem disponíveis no futuro próximo, dada a dificuldade em encontrar um grupo de controlo que não tenha sido exposto a este composto amplamente difundido.

É óbvio que dado o peso económico do APM vai haver outros estudos, e que a palavra final sobre este tema ainda não foi dita. De facto, aquando de uma conferência em Setembro, em que foram apresentados resultados preliminares deste estudo, os fabricantes de APM questionaram a validade do estudo, que segundo eles entrava em conflito com centenas de estudos credíveis, que tenha sido revistos pelas entidades reguladoras em todo o mundo, e que as alegações eram inconsistentes com dados epidemiológicos humanos. Questionaram mesmo o passado do instituto responsável pelo estudo, tendo afirmado ser "criminoso" apresentar os dados publicamente antes de terem sido apresentados às entidades reguladoras, e antes de terem sido totalmente revistos. Enfim, o aspartame representa cerca de 62% do mercado de adoçantes artificiais, e a reacção, agora que o estudo foi publicado formalmente, vai ser provavelmente muito mais violenta. Mas para já é clara matéria para reflexão dos responsáveis políticos.

Referências
(ref1) Morando Soffritti, Fiorella Belpoggi, Davide Degli Esposti, Luca Lambertini, Eva Tibaldi, and Anna Rigano (2006). First Experimental Demonstration of the Multipotential Carcinogenic Effects of Aspartame Administered in the Feed to Sprague-Dawley Rats. Environ Health Perspect 114:379-385. Laço DOI.

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