sexta-feira, janeiro 18, 2008

Uma cauda para apanhar pássaros

Em 2006 foi descrita uma nova espécie de cobra, a Pseudocerastes urarachnoides, um animal fabuloso, e que estranhamente passou quase despercebido nos comunicados de imprensa. Eu ignorava completamente tão interessante criatura até que o Carel resolveu falar nisso na sua última contribuição no Rigor Vitae. Ora o que há de tão interessante neste animal? Notem que o nome urarachnoides vem do grego: ura quer dizer cauda, arachno é aranha, e ides quer dizer semelhante. Ou seja, esta é uma Pseudocerastes com a cauda semelhante a uma aranha. Para compreender bem a coisa é preciso recuar quarenta anos. A "Segunda Expedição de Rua ao Irão", em 1968, embora se destinasse à colecta de mamíferos, recolheu contudo alguns répteis e anfíbios. Essas criaturas foram depositadas no Field Museum of Natural History, onde um senhor chamado Steven Anderson notou uma excrescência semelhante a solifugídeo, um tipo de aracnídeo, na ponta da cauda de uma cobra atribuída inicialmente à espécie Pseudocerastes persicus. Na altura, existindo apenas um exemplar, não se podia afirmar com certeza se aquela excrescência teria uma base genética, se seria devida a um tumor, ou causada por um parasita. A cobra permaneceu assim, guardada mas não esquecida, até que em 2003 uma cobra em tudo semelhante foi capturada. [... ler mais]

Os animais de 1968 e de 2003 são descritos num artigo de Hamid Bostanchi e colegas, incluindo o tal senhor chamado Steven Anderson, na revista Proceedings of the California Academy of Sciences (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Descreve-se uma nova espécie de víbora, Pseudocerastes urarachnoides, dos Montes Zagros no oeste do Irão. A nova espécie tem uma cauda curta, poucos pares de subcaudais (15 nos exemplares conhecidos), com os pares distais formando uma protuberância oval; as escamas dorsais da cauda projectam.se para formar apêndices alongados ao longo dos lados da protuberância terminal.

Eis aqui a fabulosa ornamentação da cauda deste animal:

Paracem mesmo patas de artrópode. Radiografias dos exemplares não mostraram evidências de danos nas vértebras dessa zona do corpo:

Tudo indica que estas "patas" na ponta da cauda são normais nestas criaturas. Ora para que servirá tal ornamentação? Os autores sugerem que será utilizada nos hábitos predatórios do animal:
Especulamos que o apêndice caudal pode servir como engodo para captura de presas num predador de emboscada.

Os autores notam que um dos animais possui vestígios de um pássaro no estômago (são visíveis as patas), e é provável que a estrutura se destine a atrair esse tipo de presas. Isto é algo que tem que ser verificado, pois o animal não foi observado na natureza.

Referências
(ref1) Hamid Bostanchi, Steven C. Anderson, Haji Gholi Kami, and Theodore J. Papenfuss (2006). A New Species of Pseudocerastes with Elaborate Tail Ornamentation from Western Iran (Squamata: Viperidae). Proceedings of the California Academy of Sciences, Fourth Series Volume 57, No. 14, pp. 443–450. PDF.

1 comentários:

João Carlos disse...

Cada vez a natureza me parece mais surpreendente! Eu me pergunto que tipo de "esquema aleatório" poderia levar ao desenvolvimento de um "engodo" tão elaborado?