quinta-feira, janeiro 31, 2008

Ainda mais medos dos elefantes

A imagem mostra um elefante africano, da espécie Loxodonta africana, a alimentar-se dos ramos de uma acácia da espécie Acacia tortilis. Um elefante adulto é uma criatura que come muito, cerca de 110 toneladas de folhagem por ano. Uma parte pequena dessa folhagem vem das incursões, cada vez mais frequentes, que os elefantes fazem aos campos de cultivo dos humanos. Para evitar conflitos onde, apesar do tamanho, a parte mais fraca é o elefante, há que procurar formas não letais para afastar os elefantes dos terrenos agrícolas. É preciso mandar aos animais a mensagem de perigo mas sem que eles estejam de facto em risco de vida. Alguns investigadores pensam que a solução para o problema pode ser encontrada nestas árvores. Os elefantes não se alimentam assim tão à vontade de todas as acácias que encontram no seu caminho. Por vezes evitam as árvores, receosos, pois encontram-se aí criaturas que temem e que evitam. Ora do que é que os elefantes têm tanto medo? Não, não são os ratos de que falei na contribuição anterior, são criaturas muito mais pequenas. Os seres que tanto atemorizam os elefantes são abelhas selvagens africanas, da espécie Apis mellifera africana. Essas abelhas são ferozes, chegando a perseguir os elefantes durante 3 a 5 km. Os pequenos insectos são uma das grandes esperanças para limitar o antagonismo, que existe em África, entre a crescente população humana, e os elefantes. [... ler mais]

Um dos trabalhos que descreve o comportamento dos elefantes face às abelhas é da autoria de Fritz Vollrath e Iain Douglas-Hamilton, e foi publicado na revista Naturwissenschaften (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Os números de elefantes têm caído em Afríca e na Ásia nos últimos 30 anos enquanto o número de humanos tem aumentado, em ambos os casos de forma substancial. O atrito entre estas duas espécies atingiu níveis que são altamente preocupantes quer do ponto de vista ecológico, quer político. Devem procurar-se formas e meios para mantê-las afastadas em áreas sensíveis para a sobrevivência de cada espécie. A agressiva abelha africana pode ser um desses métodos. Mostramos aqui que as abelhas africanas impedem os elefantes de danificar a vegetação e as árvores que acolhem as suas colmeias. Argumentamos que as abelhas podem ser utilizadas de forma proveitosa para proteger, dos danos dos elefantes, não apenas as árvores selecionadas, mas também áreas selecionadas.

No auge da estação seca, os autores do artigo suspenderam 30 colmeias vazias, e seis colmeias ocupadas, em árvores da espécie Acacia xanthophloea, num local designado Mpala Ranch, no Planalto de Laikipia, no Quénia. Compararam então o que acontecia às árvores com colmeias em relação a 36 outras árvores da mesma espécie sem colmeias. A época em que os elefantes atacam as árvores é durante a transição da estação seca para a estação chuvosa. Das árvores sem colmeias, apenas 10% escaparam ao apetite voraz dos elefantes durante esse período. Das árvores com colmeias apenas um terço foi tocada pelos elefantes, e nenhuma das árvores com abelhas nas colmeias foi alvo dos elefantes.

Ora os elefantes podem detectar as colmeias através do seu olfacto apurado, mas podem também fazê-lo através do ouvido. Isso pode explicar porque razão as colmeias ocupadas (que emitem um zumbido audível) foram tão eficientes a afastar os elefantes. A importância para um mecanismo de controlo de movimentos é óbvia: uns quantos altifalantes com zumbido podem ser suficientes para manter os elefantes afastados de terrenos de cultivo.

O desempenho de um sistema de afastamento sonoro foi estudado por Lucy King, Iain Douglas-Hamilton, e Fritz Vollrath, tendo os resultados sido publicados na revista Current Biology (ref2). Numa tradução livre do resumo:
A intromissão do desenvolvimento humano em áreas que anteriormente eram de vida selvagem está a comprimir os elefantes africanos em regiões cada vez menores, causando níveis elevados de conflito entre humanos e elefantes. Propôs-se que as abelhas melíferas africanas seriam um possível dissuasor para os elefantes. Fizemos uma experiência passando uma gravação para estudar essa hipótese. Verificámos que uma maioria significativa dos elefantes, numa amostra de 18 famílias bem estudadas e subgrupos de vários tamanhos, reagiram de forma negativa, começando imediatamente a afastar-se ou correr, quando ouviam o zumbido de abelhas perturbadas, enquanto ignoravam o som de controle de ruído branco natural. Se a resposta que se observou era o resultado de condicionamento individual ou aprendizagem de carácter social é algo que ainda não foi estabelecido. O nosso estudo apoia fortemente a hipótese que as abelhas, e talvez mesmo apenas o seu zumbido, podem ser utilizados para manter os elefantes afastados.

Um problema complicado com o que parece ser uma resposta simples: o medo.

Referências
(ref1) Fritz Vollrath e Iain Douglas-Hamilton (2002). African bees to control African elephants. Naturwissenschaften 89:508-­511. DOI 10.1007/s00114-002-0375-2.
(ref2) Lucy E. King, Iain Douglas-Hamilton, and Fritz Vollrath (2007). African elephants run from the sound of disturbed bees. Current Biology, Vol 17, R832-R833.

3 comentários:

João Carlos disse...

Não sei, não... Minha experiência com as abelhas africanas (espécie invasora) no Pantanal do Mato Grosso, me faz pensar duas vezes entre aturar elefantes gulosos e as terríveis africanas...

Outra que deve constar do bestiário é que os elefantes são animais de muito bom senso e "jamais esquecem"... E eu tendo a concordar com eles: quero toda a distância possível entre mim e um enxame de abelhas africanas.

Caio de Gaia disse...

Por acaso a coisa da memória consta. O mais curioso com estas abelhas é que os autores usaram cortiços que são usados por habitantes locais, que exploram o mel dessas abelhas e conseguem fazê-lo sem grandes acidentes.

João Carlos disse...

No Pantanal, acontece o seguinte: na época de cheia, as colônias de africanas são desalojadas de seus refúgios. Elas ficam tão agressivas que qualquer um que cruze seu caminho será atacado. Podes achar incrível, mas um enxame delas chegou a atacar a flotilha fluvial, em pleno Rio Paraguai.