sábado, março 03, 2007

O Mundo do Hobbit: o encolhimento dos elefantóides

Carregue nas setas para navegar ou no crânio para ir para o início da série.

Nesta imagem o paleontólogo indonésio Iwan Kurniawan aplica uma solução para endurecer, evitando que se desfaça, o fóssil de uma presa de Stegodon florensis encontrada em Mata Menge, uma localidade na ilha indonésia das Flores. Os estegodontes eram animais já extintos parentes próximos dos elefantes; a presa acima é de um animal que terá morrido há cerca de 840,000 anos. Os elefantes actuais são bons nadadores e o mesmo aconteceria com populações de elefantóides já extintos, como os estegodontes. Estes animais invadiram por diversas vezes, a partir do continente asiático, as ilhas para lá da linha de Wallace, incluindo a ilha das Flores. [... ler mais]

Os relatos da descoberta do Hobbit indicam que os vestígios desse hominíneo estão associados a restos de estegodontes, nomeadamente Stegodon florensis, e a palavra estegodontes anões é lançada de vez em quando. Aqui confesso que estou confuso, pois formas verdadeiramente anãs existiram nas Flores mas extinguiram-se há já algum tempo. A minha referência é um artigo relativamente recente de Van den Bergh e colegas (ref1) que faz o ponto da situação relativamente aos elefantóides das Flores. Numa tradução livre do resumo:
Discutem-se descobertas recentes de vestígios fossilizados de Stegodon da ilhas das Flores (Nusatenggara, Indonesia). As descobertas confirmam descobertas anteriores dessa ilha. Um conjunto de fósseis do Pleistoceno Inicial , datado de 0.9 milhões de anos, contém a forma anã Stegodon sondaari em associação com Varanus komodoensis e restos de tartarugas gigantes.

O Varanus komodoensis é o nosso bem conhecido dragão de Komodo. Os estogodontes da espécie S. sondaari eram verdadeiramente minúsculos, embora provavelmente descendessem de populações asiáticas de grande porte. Estes estegodontes pesariam apenas qualquer coisa como 300 kg. A origem exacta da espécie é difícl de determinar. Apresenta alguns aspectos "primitivos" que sugerem que possa descender de formas que se conhecem em Java e Birmânia de 1.2 milhões de anos atrás. Estes animais desaparecem de forma abrupta nos estratos geológicos mais recentes que 0.9 milhões de anos, onde aparece uma outra espécie:
Uma jazida do Pleistoceno Médio descoberta em numerosas localidades e datada entre 0.85 a 0.7 milhões de anos contém a forma de tamanho grande a intermédio Stegodon florensis, o gigante Hooijeromys nusatenggara e V. komodoensis. Esta fauna está associada com humanos antigos tal como evidenciado pela ocorrência de ferramentas de pedra em várias localidades. Um crânio de um juvenil de S. florensis mostra que esta espécie está relacionada de perto com o grupo do S. trigonocephalus.

O Hooijeromys nusatenggara é uma espécie de rato gigante que não fazia parte das jazidas fósseis do período anterior. Restos das tartarugas gigantes anteriores também não são encontradas nesta fauna mais recente. O dragão de Komodo parece ter sido o único membro de porte razoável da fauna mais antiga a sobreviver e chegar inclusivamente aos nossos dias. A espécie de estegodonte mais recente, S. florensis, parece ter vindo do leste, pois o S. trigonocephalus é uma forma encontrada em Java. Alguns autores favoreciam uma origem vinda do Norte, a partir de estegodontes encontrados nas Celebes, mas a descoberta do primeiro crânio de S. florensis numa expedição entre 1996-1999 parece ter esclarecido a questão. A origem a partir de Java não deixa de ser notável devido às fortes correntes envolvidas na travessia entre as ilhas de Bali e Lombok, e entre Sumbawa e as Flores. Nenhum dos outros animais de grande porte originário de Java efectuou tais travessias sem ser transportado pelos seres humanos.

Algures entre 0.9 a 0.85 milhões de anos atrás uma fauna caracterizada por elefantóides minúsculos e tartarugas gigantes foi substituída por uma fauna com ratos gigantes e elefantóides de porte intermédio a grande. Os seres humanos deixaram vestígios pela primeira vez na ilha mais ou menos na época em que se dá a transição entre essas faunas. Na verdade trata-se de algo global, sentido noutras partes do mundo. Tratou-se de um período de grandes oscilações climáticas e com níveis oceânicos muito baixos. O facto de os estegodontes mais recentes não terem sofrido um processo de nanismo insular tão marcado como os anteriores sugere a presença de predadores na ilha, que poderiam ser os humanos, embora não se tenha encontrado evidências de abate de estegodontes pelos humanos durante esses períodos.

Esta população de estegodontes só se terá extinguido por volta de 12,000 anos atrás, pois foram encontrados com os hobbits na caverna de Liang Bua. Não foram ainda descritos, e tenho alguma curiosidade em saber se durante as centenas de milhares de ano em que estiveram na ilha terão ou não encolhido. É que o processo de nanismo noutras populações de elefantóides, em particular no Mediterrânio, mostrou ser extraordinariamente rápido, bastando uns poucos milhares de anos para elefantes de tamanho "normal" darem lugar a criaturinhas do tamanho de póneis.

Referâncias
(ref1) Van den Bergh, G.D., De Vos, J., Aziz, F., Morwood, M.J. 2001. Elephantoidea in the Indonesian region: new Stegodon findings from Flores. The World of Elephants, Proceedings of the 1st International Congress (October 16-20 2001, Rome): 623-627.

0 comentários: