terça-feira, julho 11, 2006

Os vorazes aspiradores pouco apetitosos

A imagem mostra uma salpa, da espécie Salpa thompsoni, com cerca de 10 cm de comprimento. Apesar do aspecto gelatinoso as salpas não estão relacionada com medusas. São, por estranho que pareça, parentes relativamente próximos dos vertebrados. Trata-se de uma espécie de pequenos aspiradores que filtram água através de uma rede de muco para retirar o planctôn, e que podem viver isoladas ou em cadeias com mais de 100 indivíduos. Por vezes estas criaturas são tão abundantes que formam aglomerações com milhares de km quadrados de área. A voracidade destes pequenos sacos transparentes é impressionante. [... ler mais]

Num artigo recente de L.P. Madin e colegas na revista Deep Sea Research (ref1) os autores estudaram alguns dos aspectos da vida das salpas. Numa tradução livre do resumo:

Amostras de quatro verões durante um período de vinte e sete anos mostraram populações densas de Salpa aspera na Slope Water a sul da Nova Inglaterra, no nordeste dos estados Unidos. As salpas mostraram um forte padrão de migração vertical, movendo-se para as profundezas (na maioria entre 600-800 m) durante o dia e agregando-se na zona epipelágica (<100m)

Estas Salpa aspera são também fotogénicas, quer no seu estádio solitário,


quer no seu estádio de aglomeração.


A zona acastanhada é o estômago da criatura, que é responsável por alguns números impressionantes:
As taxas de filtração, determinadas quer pela pigmentação das entranhas, quer por experiências de alimentação directas, indicaram que os estádios quer de agregado quer solitário filtraram a água a taxas variando entre 0.5 a 61 por hora por ml de biovolume.

Este número e alguns outros que vêm a seguir podem não dizer muito a quem não está dentro deste tema, por isso passo logo à parte surpreendente:
Dependendo do ano, calculamos que as populações de salpas estudadas limpam entre 5 a 74% dos 50 metros superiores durante 8 horas cada noite.

Este "limpam" significa que as salpas engolem aquela fracção do plâncton. São de facto aspiradores vorazes. Ora as salpas têm outra característica que partilham com o krill de que falei aqui algum tempo atrás. Produzem quantidades assombrosas de excrementos, que por sua vez caem para o fundo a velocidades elevadas. O que estas criaturas estão a fazer, de forma semelhante ao krill, é a transportar para as profundezas enormes quantidades de carbono da superfície do oceano, que por sua vez tinham sido extraídas da atmosfera. As salpas são assim um elo importante na regulação da quantidade de carbono na atmosfera.

Para termos uma ideia do quão abundantes estas criaturas podem ser, basta dizer que um dos "cardumes" estudados tinha cerca de 100,000 km quadrados de extensão (sim, cobria uma área maior que a de Portugal) e os autores calcularam que os excrementos dessa aglomeração enviariam cerca de 4,000 toneladas de carbono por dia para o fundo oceânico. Esses excrementos afundam-se depressa, cerca de 1000 metros por dia. Uma coisa que as salpas não partilham com o krill é o carácter nutritivo. São tão pouco apetecíveis que a maioria dos animais que consumem krill de bom grado não lhes pegam. Os próprios corpos das salpas representam outro importante sumidoiro de carbono, pois em grande parte as salpas mortas afundar-se-ão nos fundos oceânicos.

Ficha Técnica
Imagens retiradas do comunicado de imprensa que se pode encontrar aqui.

Referências
(ref1) L.P. Madin, P. Kremer, J.E. Purcell, E.H. Horgan and D.A. Nemazie (2006). Periodic swarms of the salp Salpa aspera in the Slope Water off the NE United States: Biovolume, vertical migration, grazing, and vertical flux. Deep Sea Research Volume 53, Issue 5, Pages 804-819. Laço DOI.

1 comentários:

Andrea Daher disse...

Muito interessante. Ótima informação, mas pouco divulgada. As Salpas, minúsculos seres,quem diria,estão vencendo a humanidade no combate ao aquecimento global!