quinta-feira, julho 20, 2006

Qualidade do alimento, crescimento e aprendizagem dos mandarins

A imagem mostra o mandarim, de seu nome científico Taeniopygia guttata, uma pequena ave comum no sudoeste asiático, nomeadamente em Timor, e na Austrália. Curiosamente, está na lista de Rafael Matias das espécies de aves exóticas que se podem observar em liberdade em Portugal. Os mandarins são animais gregários, adaptam-se bem ao cativeiro e reproduzem-se de froma prolífica. São por isso muitas vezes utilizados em experiências de laboratório. Foi o que fizeram Michael Fisher e colegas num estudo publicado num artigo no PLoS biology (ref1). O que estes autores investigaram foi a relação entre a qualidade do alimento na fase de crescimento, e as capacidades cognitivas depois de adultos, de um grupo de mandarins. [... ler mais]

Trata-se de um trabalho interessante, e que se pode revelar importante para os seres humanos. Numa tradução livre do resumo:

Alguns estudos demonstraram que uma nutrição inicial pobre, seguida por uma compensação do crescimento, pode ter consequências negativas mais tarde na vida. Contudo, permanece pouco claro se isso se deve à deficiência nutricional em si mesma ou a um custo do crescimento compensatório. Esta distinção é importante para a nossa compreensão dos factores que quer a curto quer a longo prazo dão forma às trajectórias de crescimento e qual a melhor forma de gerir o crescimento na nossa e noutras espécies no seguimento de um nascimento com baixo peso.

A questão aqui é como gerir o crescimento de crianças, por exemplo, que após o parto apresentam um peso demasiado baixo, ou que na fase inicial da vida tiveram uma alimentação de fraca qualidade ou escassa. Quando finalmente se consegue providenciar uma dieta de qualidade superior a essas crianças, elas passam muitas vezes por um período de crescimento acelerado, e na idade adulta apresentam estatura normal. Podem no entanto apresentar em alguns casos uma menor capacidade de aprendizagem. A questão é qual o factor determinante na menor aptidão cognitiva: a malnutrição ou a taxa de crescimento. Este é um factor importante para compreender como melhor gerir a transição entre regimes alimentares por forma a minorar os efeitos a longo prazo. É aí que entram os mandarins, pois uma experiência nunca poderia ser levada a cabo intencionalmente sobre seres humanos, por razões óbvias.
Criámos pares de mandarins (irmãos) com nutrição de qualidade diferente durante os primeiros 20 dias de vida apenas e examinámos a sua aptidão para a aprendizagem na idade adulta. O tamanho final não foi afectado. Contudo, a velocidade de aprendizagem de uma tarefa simples enquanto adultos, que envolvia associar uma cor num painel com a presença de uma recompensa de comida, estava negativamente relacionada com a quantidade de compensação de crescimento que tinha ocorrido. A velocidade de aprendizagem não estava relacionada com a dieta inicial ou com o tamanho da diferença de crescimento.

Ou seja, nos mandarins, não era o diferencial de crescimento, ou seja a diferença de tamanho dos mandarins nos dois grupos, ao fim dos 20 dias que era importante. O que era importante era a taxa como que esse fosso no tamanho era compensado, ou seja a velocidade com que, após terem tido acesso a nutrição de qualidade superior, os mandarins que tinham tido alimentos de qualidade inferior durante 20 dias "apanhavam" o tamanho dos mandarins que tinham tido sempre nutrição de boa qualidade. Isso é o que os autores "compensação de crescimento".

Há vários aspectos do estudo que valem a pena referir. As crias foram alimentadas por mandarins adultos, mas, para controlar factores genéticos, pares de crias da mesma ninhada foram separadas, sendo uma das crias colocada com pais adoptivos. Assim um dos irmãos era alimentado por adultos que tinham acesso a alimento de alta qualidade, enquanto o outro era alimentado por adultos com acesso a comida de qualidade inferior. Após 20 dias as crias abandonavam o ninho e passavam a alimentar-se sozinhas. Os investigadores forneciam então a todos os jovens mandarins comida de valor nutritivo elevado.

O teste cognitivo foi feito quando as crias entraram sensivelmente na idade adulta, com cerca de 150 dias de vida. Era relativamente simples: os animais foram colocados oito vezes por dia, durante dois dias, num arena circular com sete corredores terminando seis deles num painel negro e o outro num painel amarelo. Apenas atrás do de cor amarela, cuja localização variava de forma aleatória de teste para teste, existia comida. O que os cientistas registaram foi o número de visitas falhadas de cada pássaro, e verificaram então a relação com a taxa de crescimento compensatório. O resumo finaliza com:
Estes resultados mostram que o nível de crescimento compensatório que ocorre a seguir a um período de nutrição pobre está associado com consequências negativas a longo prazo para as funções cognitivas e sugere que uma "troca" entre crescimento e aptidão pode determinar a trajectória de crescimento óptima.

Trata-se de resultados que têm de ser confirmados com outros estudos, incluindo outros animais e estudos de seres humanos que tenham passado por este tipo de privações. Deve notar-se que todos os pássaros aprenderam eventualmente a executar a tarefa. Foi a velocidade de aprendizagem que variou. Os autores especulam sobre alguns mecanismos que possam explicar esta diferença, embora não testem nenhum deles, e referem alguns estudos com crianças que mostram que as coisas poderão ser um pouco mais complexas com os seres humanos, devido à presença de estímulos culturais e interacção com os progenitores.

Ficha técnica
Imagem dos mandarins retirada da sinopse de Liza Gross no PLoS Biology. Ver ref2 abaixo.

Referências
(ref1) Fisher MO, Nager RG, Monaghan P (2006) Compensatory Growth Impairs Adult Cognitive Performance. PLoS Biol 4(8): e251. Laço DOI.
(ref2) Gross L (2006) Accelerated Growth following Poor Early Nutrition Impairs Later Learning. PLoS Biol 4(8): e270. Laço DOI.

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