quinta-feira, abril 06, 2006

As formigas vertebradas

Depois de ter falado em grilos que ocuparam o lugar dos ratos na Nova Zelândia, hoje foco o reverso da medalha. A criatura de hoje é um roedor que adoptou um estilo de vida característico dos insectos sociais como formigas e abelhas. O rato-toupeiro africano peludo, Cryptomys damarensis, vive em colónias de até 40 indivíduos, dominados por uma única fêmea reprodutora, e um ou dois machos seus parceiros. O resto da colónia descarrega as frustrações de uma vida de celibato numa única actividade: escavar com os seus grandes e poderosos incisivos, que se encontram no exterior da boca. Bem, na verdade, nem todos escavam. Boa parte da colónia, qualquer coisa como 40% dos indivíduos, passa a vida sem fazer grande coisa, e o papel desses "preguiçosos" confundia os cientistas. [... ler mais]

Num artigo na Nature (ref1), Scantlebury e colegas mostram que nesses membros inactivos da sociedade dos ratos-toupeiros há mais um interessante paralelo com os insectos sociais. Numa tradução livre do resumo:

A eussocialidade, que no mamíferos ocorre em apenas duas espécies de ratos-toupeiros africanos, caracteriza-se pela divisão de trabalho entre castas que se distinguem morfologicamente. Nos ratos toupeiros peludos (Cryptomys damarensis), o trabalho na colónia é dividido entre castas de "trabalhadores ocasionais" e "trabalhadores frequentes". Os trabalhadores frequentes estão activos durante todo o ano e em conjunto executam mais de 95% do trabalho total da colónia, enquanto os trabalhadores ocasionais executam em geral menos de 5% do trabalho total. Evidência de tipo anedótico sugeria que os trabalhadores ocasionais poderiam actuar como dispersadores, com a dispersão limitada ao comparativamente raros períodos em que o solo é amolecido pela água. Mostramos aqui que os trabalhadores ocasionais e as raínhas aumentam o seu dispender de energia após a queda de chuva, enquanto os trabalhadores frequentes não o fazem. Os trabalhadores ocasionais são também mais gordos que os trabalhadores frequentes. Sugerimos que os trabalhadores ocasionais constituem uma casta fisiologicamente distinta destinada à dispersão, cujos membros em vez de contribuirem para o trabalho de colónia e ajudarem a raínha a reproduzir-se, acumulam nos seus corpos reservas em preparação para a dispersão e reprodução quando as condições ambientais são as adequadas.

Ou seja, estes animais limitam-se a dormir e comer durante a maior parte do tempo, e quando desatam a escavar não é para ajudar ao trabalho na colónia, mas para a abandonarem. A vida fora da colónia é arriscada e até estabelecerem a sua própria colónia ou serem aceites noutra colónia as reservas de gordura fazem falta. Mas a raínha beneficia, pois são os seus genes que se vão espalhar.

O rato-toupeiro peludo não é o único mamífero eussocial, uma espécie aparentada, o rato-toupeiro africano nu, Heterocephalus glaber, ligeiramente menor, também vive em colónias que podem chegar aos 200 membros. Esta criatura é tão ou mais fascinante que o seu parente peludo, pois trata-se de uma espécie de mamífero ectotérmica, isto é, que não regula activamente a sua temperatura corporal. Além disso é seguramente um dos mais feios animais à face da Terra, e não resisto em mostrá-lo na imagem abaixo


Referências
(ref1) M. Scantlebury, J. R. Speakman, M. K. Oosthuizen, T. J. Roper and N. C. Bennett (2006). Energetics reveals physiologically distinct castes in a eusocial mammal. Nature 440, 795-797. Laço DOI.

0 comentários: