domingo, abril 02, 2006

O parasita solitário que conduz a sua presa

Imaginem uma criatura que devora a sua presa do interior e que irrompe de dentro dela para iniciar a sua vida como um predador destemido. Não, não se trata de nenhuma produção de Hollywood, a criatura existe mesmo, e este é apenas parte do tenebroso comportamento da pequena vespa iridiscente Ampulex compressa. Eu era para ter colocado isto ontem, mas depois pensei que os leitores iam olhar para a data e pensar que se tratava de uma partida do dia das mentiras. É mesmo verdade, e o mais arrepiante nesta história é que esta saída digna de um filme do Alien até nem é o aspecto mais perturbador. [... ler mais]


Na verdade há algum tempo que eu queria falar desta criatura, e a a contribuição anterior serve como uma boa desculpa para falar aqui deste tema, que esteve em destaque no blog de Carl Zimmer durante o mês de Fevereiro. A pequena vespa iridiscente é um parasita durante a fase larvar que se especializou nesta espécie de baratas, e não ataca nenhumas outras. A Ampulex procura uma vítima e dá-lhe uma picada com o seu ferrão, injectando um cocktail de neurotoxinas que não mata a barata, apenas a paralisa ligeiramente. Este é apenas o início de uma história verdadeiramente tenebrosa. O comportamento da vespa é descrito em detalhe num artigo de Frederic Libersat no Journal of Comparative Physiology A (ref1). Numa adaptação livre do resumo:

Porque o objectivo da vespa é fornecer uma refeição viva para a sua larva recém nascida, as mudanças de comportamento na presa são efectuadas pela manipulação do comportamento da presa numa forma que é benéfica para a vespa e para a sua descendência. Com esse fim, a vespa injecta o seu cocktail de veneno em duas ferroadas consecutivas. A primeira ferroada no tórax provoca uma paralisia temporária nas patas da frente que dura alguns minutos.

A primeira ferroada é importante pois impede a barata de utilizar as patas da frente para afastar a vespa. É que o melhor está para vir. Este primeiro ataque químico é seguido por uma picada muito precisa na cabeça da infeliz barata, que injecta um cocktail de neurotoxinas directamente no cérebro da barata. O uso de neurotoxinas para incapacitar presas não é fora do comum. Cobras, escorpiões, aranhas, e mesmo caracóis utilizam-nos. Na maioria das vezes essas neurotoxinas perturbam o controlo das contrações dos músculos e levam à imobilização da presa. A ferroada da Ampulex faz algo mais, o cocktail de neurotoxinas injectado no cérebro da barata modifica o comportamento do insecto. A seguir à picada na cabeça, a barata desata a lavar as antenas e as patas da frente, durante cerca de meia-hora. Segue-se um outro padrão de comportamento que os autores designam por hipocinésia em que a barata fica indeferente a uma larga série de estímulos. O lavar e a hipocinésia só acontecem após a ferroada na cabeça. Se houver apenas a primeira ferroada no tórax, os efeitos passam ao fim de uns poucos minutos, e a presa recupera completamente.


A hipótese do autor era que a vespa injectava o veneno directamente nos gânglios do cérebro e não apenas na vizinhança como alguns autores defendiam. Para isso colocou aminoacidos com C14 (radioactivo) nas glândulas de veneno das vespas e seguiu o trajecto do veneno nas baratas. Os resultados foram claros, a vespa injecta directamente em zonas precisas do cérebro. Para conseguir este tipo de precisão o autor especula que a vespa deverá ter orgão sensoriais no ferrão, embora não o verifique neste estudo. A fase de perda de sensibilidade a estímulos tem um objectivo simples.
Durante a hipocinésia de longa duração que se segue à lavagem, comportamentos específicos da presa são inibidos enquanto outros não são afectados. Propomos que o veneno reprime a actividade dos neurónios dos gânglios cerebrais removendo assim a pulsão excitatória aos neurónios do tórax.
O que se passa é que os mecanismos que levam à fuga das baratas aquando do ataque de um predador se localizam nos neurónios nos gânglios do tórax da barata. O que o autor propõe é que o efeito do veneno libertado no cérebro da barata leva à limitação das respostas desse circuito de fuga. Ora porquê tudo isto, por que é que a vespa não se limita a paralisar a barata?



A vespa precisa de levar a barata até ao seu ninho. Ora a vespa é demasiado pequena para arrastar a barata. Só que, devido a este elaborado esquema de ferroadas e toxinas, não precisa: basta-lhe agarrar numa das antenas da barata e passeá-la como um ser humano passearia um cão por uma trela. A barata limita-se a segui-la docilmente. Uma vez atingido o esconderijo a vespa deposita um ovo na barata, cobre o esconderijo com pequenas pedras, e vai-se embora, para não mais voltar. O trabalho com esta barata está feito e ela parte em busca de mais presas.


A larva desenvolve-se de início no exterior da presa, alimentando-se da hemolinfa da barata, mas ao fim de algum tempo entra dentro da barata onde se continua a alimentar, se transforma em pupa, e finalmente completa a metamorfose dando origem a mais uma pequena vespa iridiscente. A dramática sequência da eclosão da jovem vespa, seis semanas após a postura, pode ser apreciada no filme abaixo, cortesia de Fred Libersat, via Loom de Carl Zimmer.



Referências
(ref1) Fred Libersat (2003). Wasp uses venom cocktail to manipulate the behavior of its cockroach prey. J Comp Physiol A, 189: 497:508 Laço DOI.


4 comentários:

Anónimo disse...

Olá ! Gostaria de saber se essa vespa é perigosa?

Caio de Gaia disse...

Boa pergunta. Nunca ouvi nada a respeito de serem particularmente perigosas para os seres humanos. Não tenho experiência com esta espécie, mas com uma série de outras vespas solitárias que costumo observar nunca tive problemas. Costumo observá-las de perto e nunca fui picado.

Mas nesta história de abelhas e vespas é preciso alguma cautela, eu fui picado umas quantas vezes pela vespa comum, e por umas pequenitas que vivem em colónias debaixo do chão, e única coisa que me afectou foi o desconforto provocado pelo inchaço e algum prurido. Algumas pessoas no entanto são alérgicas e podem sofrer bastante mesmo com uma única picada.

Anónimo disse...

É que como já vi vespas desse tipo aqui em casa e já tinha algum receio... inclusive, acho que meu cachorro já comeu uma dessas !

Muito obrigada pela resposta !

Eduardo Fox disse...

Trabalhei por dois anos criandos estes insetos em laboratório. Já ouvi relatos de picadas em seres humanos, e dizem que dói bastante. Porém o inseto não é agressivo e em geral não é fácil de ser encontrado com frequência...