quinta-feira, outubro 23, 2008

As multidões do gelo

Esta coisinha preta agarrada ao gelo é uma minhoca de gelo, da espécie Mesenchytraeus solifugus. Como referi na contribuição anterior, trata-se de uma criatura que prospera nos glaciares da orla do Pacífico na América do Norte. O gelo de um glaciar pode parecer um meio inóspito, mas os campos de neve que os cobrem podem acolher uma grande densidade de algas, que fornecem o meio de subsistência para populações gigantescas destas minhocas do gelo. Os números são surpreendentes, alguns glaciares podem conter populações de minhocas em que o número de indivíduos ultrapassa o número de seres humanos na Terra. [... ler mais]

Daniel Shain e colegas referem alguns dados interessantes sobre minhocas do gelo, num artigo na revista Canadian Journal of zoology (ref1). Numa tradução livre do resumo:

A minhoca do gelo, Mesenchytraeus solifugus ssp. rainierensis, é o único anelídeo conhecido que sobrevive no gelo dos glaciares. Relatamos as localizações de oito populações de minhocas de gelo no centro-sul do Alasca, incluindo os limites mais a norte e oeste do habitat conhecido das minhocas do gelo. Todas as minhocas do gelo identificadas neste estudo habitam glaciares costeiros próximos do Golfo do Alasca. Foram encontradas numa variedade de habitats incluindo campos de neve, cones de avalanche, fissuras nas paredes, rios e lagos glaciais, e gelo duro de glaciares. As minhocas de gelo não foram encontradas em todos os glaciares costeiros nem foram encontradas no interior do Alasca. As minhocas do gelo no Glaciar Byron, no Alasca, totalizavam cerca de 30 milhões distribuídos por sete cones de avalanche distintos. Mostravam um ciclo diurno, aparecendo na superfície do glaciar algumas horas antes do pôr do Sol e penetrando no glaciar pouco depois do nascer do Sol. Experiências sugerem que as minhocas do gelo penetram o glaciar preferencialmente abaixo das algas de superfície, Chlamydomonas nivalis, a uma profundidade entre 15 e 100 centímetros e voltam à superfície numa local próximo. O movimento lateral das minhocas do gelo na superfície do glaciar pode atingir velocidade de ~3 m/h. As minhocas do gelo no Glaciar Byron evitavam a luz, mas não respondiam de forma preferencial a diferentes comprimentos de onda no espectro visível. Para finalizar, as minhocas do gelo mostram uma atracção inesperada ao calor.

Marquei a negrito alguns pontos que merecem um pouco mais de conversa. Se os trinta milhões de indivíduos num glaciar vos parece muito, o que dizer de glaciares como o Suiattle onde as estimativas apontam para algo em torno dos 7 mil milhões de indivíduos? Nesse glaciar a densidade de minhocas atinge as 2600 por metro quadrado, e há glaciares onde as densidades são ainda mais elevadas. Esta imagem do Glaciar Sholes após o pôr do Sol é elucidativa:

Ora o que alimenta tantas bocas de minhoca? Bem, pólen, bactérias e sobretudo algas que crescem na neve que cobre os glaciares, tais como as Chlamydomonas nivalis referidas no texto. As C. nivalis são algas microscópicas responsáveis pela chamada neve vermelha ou cor-de-rosa, com o seu característico cheiro a melancia. Estas algas podem existir em quantidades assombrosas nos campos de neve . Mas a simples disponibilidade de alimento não chega, em zonas só com neve, sem gelo por baixo, a densidade de minhocas é muito baixa, elas precisam de gelo duro do glaciar. É dentro desse gelo que elas se refugiam a seguir ao nascer do Sol.

As minhocas serem atraídas pelo calor é algo surpreendente, pois o calor é "mau" para elas. A química interna destes animais está adaptada a funcionar a temperaturas baixas. Acima dos 10 graus Celsius morrem, e acima dos 20 graus Celsius "derretem" literalmente. Se o calor é mau para elas, o frio também. Se tiradas do gelo e expostas ao ar gelado do inverno congelam e morrem. Daí que se mantenham bem escondidas dentro do gelo onde as temperaturas rondam uns confortáveis zero graus Celsius.

Num dos comentários à contribuição anterior foi referido um progama da National Geographic sobre as minhocas do gelo. Após uma rápida busca pela conta da NG no youtube encontrei um resumo desse programa. Mostra algumas minhocas no início, mas a maior parte é sobre a busca infrutífera destas criaturas por altura do Inverno. Os cientistas bem se fartam de escavar mas das minhocas nada.



Ficha Técnica
Imagens retiradas da página da North Cascades Glacier Ice Worm Research mantida por Mauri S. Pelto.

Referências
(ref1)Daniel H. Shain, Tarin A. Mason, Angela H. Farrell, and Lisa A. Michalewicz (2001). Distribution and behavior of ice worms (Mesenchytraeus solifugus) in south-central Alaska. Can. J. Zool. 79(10): 1813–1821. doi:10.1139/cjz-79-10-1813.

1 comentários:

Anónimo disse...

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