sábado, fevereiro 09, 2008

As vantagens de casar com a prima

Aparentemente, entre os humanos, parece que uma das formas de aumentar o sucesso reprodutivo é casar com um primo relativamente próximo. Pelo menos é o que acontecia com os islandeses entre 1800 e 1965. Este é o resultado de um trabalho curioso, com um corolário algo estranho: os citadinos, pelo menos antes dos processos de controlo de natalidade modernos, não teriam menos crianças por morarem na cidade, mas sim porque seria menos provável que casassem entre primos. [... ler mais]

O estudo é descrito num artigo de Anna Helgason e colegas na revista Science (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Estudos prévios relataram que casais humanos aparentados tendem a produzir mais crianças que casais não aparentados mas foram incapazes de determinar se esta difereça é biológica ou resulta de variáveis socioeconómicas. Os nossos resultados, obtidos a partir de todos os casais conhecidos na população islandesa nascidos entre e 1800 e 1965, mostram uma significativa associação positiva entre parentesco e fertilidade, com o maior sucesso reprodutivo observado em casais relacionados ao nível de primos de terceiro e quarto grau. Devido à relativa homogeneidade socioeconómica dos islandeses, e à observação de diferenças altamente significativas na fertilidade de casais separados por intervalos muito pequenos de parentesco, concluímos que esta associação tem muito provavelmente uma base biológica.

Entre 1800 e 1824 as islandeses que casavam com um primo de terceiro grau tinham em média quatro crianças e nove netos. Por outro lado, no mesmo período, islandesas cujo marido era apenas primo em oitavo grau ou ainda mais afastado, tinham em média três filhos e sete netos. Entre 1900 e 1924 os resultados eram em tudo semelhantes. Para primos em terceiro grau a média era de três crianças e sete netos, enquanto para oitavo grau ou mais afastado era de duas crianças e cinco netos. Os autores encontraram num entanto um custo ao nível de primos em primeiro ou segundo grau. Convém ser aparentado, mas não demasiado.

Há muitas variáveis que podem jogar neste tipo de associação, tais como alguém que provém de uma família com mais crianças vai ter mais terceiros primos, ou a possibilidade de que mulheres que casam com os primos comecem a ter filhos mais cedo, mas os autores rebatem-nos com exemplos relativos a sextos e sétimos primos, onde se nota uma diferença significativa. A origem é assim provavelmente genética. Isto tem uma implicação curiosa, que os autores notam no final do artigo:
A formação de regiões urbanas densamente habitadas, que oferece uma vasta oferta de potenciais esposos com parentesco afastado, é uma situação nova para os humanos, em termos evolucionários. Notamos que se a relação entre parentesco e fertilidade tem uma base na biologia reprodutiva humana, então segue-se que o tipo de transição demográfica experimentado pela população islandesa pode contribuir directamente para o abrandar do crescimento populacional noutros locais, através do aumento relativo de casais com parentesco distante.

Ou seja, as pessoas têm menos filhos nas cidades porque é menos provável que casem com os primos.

Já sabem, se gostam de crianças e querem ter uma família numerosa, procurem a vossa cara-metade entre os vossos primos, ou primas, de terceiro ou quarto grau.

Ficha técnica
A imagem do bebé que uso no início da contribuição (uma menina) foi cedida pelo fotógrafo (o pai) à Wikipedia.

Referências
(ref1) Helgason A, Pálsson S, Guðbjartsson DF, Kristjánsson Þ, Stefánsson K. 2008. An association between the kinship and fertility of human couples. Science 319:813-816. doi:10.1126/science.1150232

4 comentários:

Anónimo disse...

Ah tinham mais filhos! Não seria por viverem isolados que casavam frequentemente com parentes? Não seria por isso que também tinham mais filhos? Que mais tinham para fazer? ainda por cima num país Católico em que o aborto era (e não será ainda?) um "tabu" que era apenas feito muito em segredo.

Está provado científicamente que os casamento co-sanguíneos são genéticamente péssimos e provocam mesmo doenças!

Zé da Burra o Alentejano

Caio de Gaia disse...

Não é nem de longe nem de perto um país Católico, o último bispo católico na Islândia foi decapitado em 1550 e desde então a ilha é Luterana. Quanto ao que se passa hoje em dia, a Islândia é considerada segundo vários indicadores o país mais desenvolvido do mundo.

O não terem mais nada para fazer aplicava-se igualmente aos que não casavam com os primos.

Casamentos consanguíneos não "provocam" doenças, permitem é que um gene recessivo nefasto tenha maior probabilidade de encontrar outro igual e assim se poder exprimir no fenótipo.

Entre terceiros primos a probabilidade disso acontecer é pequena, e o que sucede é que por sua vez a possibilidade de expressão de coadaptações é maior. Estamos a falar de coisas simples como os genes que controlam o tamanho dos dentes serem adequados aos que controlam o dos maxilares,etc.

eu disse...

O aumento da fertilidade entre primos de terceiro grau não terá a ver com a possibilidade de fazer face a possíveis genótipos inviáveis? Não terá a ver com coadaptações que permitem um maior sucesso nos processos de fecundação, desenvolvimento do embrião, feto, etc.?

Caio de Gaia disse...

Os autores referem apenas muito vagamente o aspecto das coadaptações, mas parecem favorecer essa hipótese.

Mas há aspectos na coadaptação para lá dos embriões e fecundação. Por exemplo, nos casamentos entres primos de primeiro grau, os filhos vivem menos tempos. É um tema complexo e seria interessante verificar isto com outros grupos humanos com bons registos.