domingo, dezembro 28, 2008

Quando os chimpanzés atacam

Agora que já passou a quadra natalícia é boa altura para voltar a um dos meus temas favoritos: a desconstrução dos mitos dos animais bonzinhos. Antes de voltar ao tema do ciúme e outros estados de alma dos animais, começo por lembrar que animais selvagens, mesmo em cativeiro, não são animais de estimação, nem têm nada que ver com o que aparece nos filmes da Disney. Em 2005, foi isto que aconteceu ao dono de um santuário de primatas, em Los Angeles, nos Estados Unidos da América:

O antigo piloto de NASCAR, com 65 anos, perdeu todos os seus dedos, um olho, o nariz, partes das bochechas e lábios, e bocados do seu tronco para um grupo de chimpanzés atacantes em 2005. Os animais atacaram, no seu santuário, depois de aparentemente terem ficado ciumentos por Davis estar a preparar-se para oferecer um bolo de aniversário a Moe.

Moe era um outro chimpanzé do santuário, que não se envolveu nos ataques. Esta citação provém do Los Angeles Times, e recolhia-a via blogue de John Hawks, que refere que os testículos do infeliz senhor também foram arrancados. Notem a referência a possível ciúme, um tema a que voltarei. Se isto vos incomoda então é melhor evitarem o Cais de Gaia nos próximos tempos. Vamos ter mais mordidas em humanos, violência conjugal, assassinatos, infanticídio e canibalismo.

Ficha Técnica
Imagem cortesia de Frans de Waal e da PLoS Biology, via http://dx.doi.org/10.1371/journal.pbio.0030202.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

O sentimento de injustiça canina

Esta imagem, que mostra um gesto aparentemente banal, um cachorro a dar a pata a um ser humano, é parte de um estudo científico muito interessante sobre o comportamento canino. Um estudo que se debruçou sobre a inveja e sentimentos de injustiça. Este cachorro vai ser confrontado com um tratamento desigual relativamente ao seu parceiro da fotografia. Os donos de cães tendem a afirmar que aos seus animais só lhes falta falar e atribuem-lhes um certo número de estados de espírito "humanos." Um dos mais óbvios é o ciúme, despoletado pela chegada de um outro cão (ou de uma criança) no agregado familiar. Este estudo recente mostra que os cães são capazes de sentimentos mais subtis, e que são sensíveis a situações em que a trabalho igual correspondem recompensas distintas, isto é, os cães distinguem quando são vítimas de injustiça. [... ler mais]

O estudo que indaga de que forma os cachorros reagem a desigualdades na recompensa dada a uma mesma tarefa é da autoria de Friederike Range e aguarda publicação na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Um elemento crucial na evolução da cooperação pode ter sido a sensibilidade aos esforços e recompensas dos outros quando comparados com os custos e ganhos próprios. Pensa-se que aversão à desigualdade seja a força que torna o castigo não-egoísta nos seres humanos um instrumento poderoso para impôr a cooperação.

O "castigo não-egoísta" é algo que nos leva por vezes a dispender um esforço maior para corrigir uma situação de injustiça do que aquilo que ganharíamos caso a tal situação não ocorresse. Os seres humanos são capazes de ir a extremos para castigar os indivíduos que identificam como batoteiros e aproveitadores.
Pesquisa recente mostra que primatas não humanos se recusam a participar em tarefas cooperativas de resolução de problemas se notam que um congénere obtém, para o mesmo esforço, uma recompensa mais apetecível. Contudo, pouco se sabe sobre espécies de não primatas, embora a aversão à desigualdade também seja esperada noutras espécies cooperativas. Investigamos aqui se os cães domésticos mostram sensibilidade no que se refere à desigualdade das recompensas recebidas ao darem a pata a um investigador encarregado de pares de cachorros.

A experiência efectuada era bastante simples. A fotografia no topo da contribuição ilustra um dos passos, mostrando dois cachorros, com o dono em pé por trás. Um deles está a dar a pata à investigadora, não recebendo nada por isso. O outro cachorro também deu a pata, mas recebeu uma recompensa :

Notem o olhar atento do primeiro cachorro ao ver o segundo a levar uma guloseima. Ora o primeiro cachorro não tinha levado nada, e após uma quantas vezes desta coisa repetida o resultado foi este:

O cachorro pura e simplesmente recusa-se a dar a pata, e nem sequer olha para a investigadora. Deve notar-se que, quando sem parceiro, o cachorro continua a dar a pata durante muito tempo, mesmo que não receba comida. Os autores do artigo concluem então:
Encontrámos diferenças nos cachorros testados sem recompensa de comida na presença de de um parceiro recompensado quando comparado com a situação base (ambos os parceiros recompensados) e uma situação associal de controlo (sem recompensa, sem parceiro), indicando que a presença de um parceiro recompensado é importante. Além disso, mostrámos que não foi a presença do segundo cão, mas o facto de que o parceiro recebeu a comida, que foi responsável pela mudança de comportamento dos indivíduos. Em contraste com os estudos dos primatas, os cães não reagiram a diferenças na qualidade da comida ou do esforço. Os nossos resultados sugerem que outras espécies além dos primatas mostram pelo menos uma versão primitiva da aversão à desigualdade, que pode ser um precursor de sensibilidades mais sofisticadas aos esforços e recompensas de interações mútuas.

Os cães não eram esquisitos, um deles podia receber pão enquanto o outro recebia salsicha que isso não os incomodava muito. Também não se importavam se o parceiro levasse comida mesmo que não levantasse a pata, desde que levassem alguma coisa ao levantarem a pata. Agora não levar nada e ver o parceiro a comer é que não. O tipo de reacção desta experiência exige claramente um julgamento por parte do cachorro. Os animais amuavam, e ficavam claramente perturbados, algo evidenciado pela forma como se coçavam, bocejavam e lambiam a boca.

Referências
(ref1) Friederike Range, Lisa Horn, Zsófia Viranyi, Ludwig Huber (2008). The absence of reward induces inequity aversion in dogs. PNAS, no prelo. doi:10.1073/pnas.0810957105