segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Há excrementos saborosos, venham, não há nada a temer

Esta criatura com uns belíssimos olhos verdes é uma coruja buraqueira, da espécie Athene cunicularia, fotografada por José Reynaldo da Fonseca em Avaré, cidade no estado de São Paulo. Este animal pode ser encontrada por quase todo o Brasil sendo também uma presença algo comum no resto das Américas, ocorrendo do Canadá à Terra do Fogo. Ora algo que muitos dos leitores familiarizados com estes animais ignorarão é que elas usam ferramentas. Pelo menos as populações da Flórida usam-nas. Que tipo de ferramenta? Nada mais nada menos que excrementos. [... ler mais]

A descoberta do uso de excrementos como ferramentas, da autoria de Douglas Levey, Scot Duncan e Carrie Levins teve honras de artigo na Nature (ref1). Numa tradução livre do primeiro parágrafo:

Os relatos de uso de ferramentas pelas aves tendem a ser episódios com apenas uns quantos indivíduos envolvidos e com comportamentos que muitas vezes podem ser interpretados de outras formas. Descrevemos aqui a recolha bastante espalhada de excrementos de mamíferos pelas corujas buraqueiras (Athene cunicularia) e mostramos que usam estes excrementos como isco para atrair escaralhevos comedores de excrementos, uma das suas presas mais importantes. A nossa investigação controlada fornece uma estimativa sem ambuiguidade da importância do uso de ferramentas num animal selvagem.

Os autores verificaram que a presença dos excrementos não se devia ao acaso: quando retirados elas substituem-nos rapidamente. Uma das possibilidades que os autores investigaram foi se os excrementos serviriam para disfarçar os odores dos ovos colocados nas tocas. Para isso criaram 50 ninhos, espaçados 50 metros uns dos outros, metade deles com excrementos, a outra metade sem, e verificaram o que sucedia a ovos de codorniz aí colocados. Os autores não verificaram diferenças nas taxas de sobrevivência dos ovos. Por motivos éticos os autores não testaram a camuflagem dos odores das crias.

A hipótese que os autores favorecem é a do uso dos excrementos como isco. As corujas permanecem imóveis durante muito tempo na vizinhança das tocas, e um dos elementos mais comuns da sua dieta no local de estudo era o escaravelho Phanaeus igneus, que se alimenta de excrementos e representava cerca de 60% dos escaravelhos consumidos pelas corujas buraqueiras. O que os autores fizeram então foi estudar duas populações de corujas, cujas entradas das tocas foram limpas de todos os excrementos e regurgitações de alimento. Em seguida numa das populações colocaram cerca de 230 gramas de estrume à entrada dos ninhos, na outra nada. Ao fim de quatro dias limparam mais uma vez as tocas e trocaram as que recebiam estrume e as que não recebiam nada. Eis aqui um dos animais estudados, de pé junto à sua toca, rodeado de "ferramentas".

Os autores verificaram que quando o estrume estava presente as corujas consumiam dez vezes mais escaravelhos comedores de excrementos. Será que as corujas buraqueiras no Brasil também têm um tal conjunto de ferramentas à porta de suas casas?

Ficha técnica
Imagem de coruja buraqueira no início da contribuição cortesia de José Reynaldo da Fonseca tirada desta página da Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Douglas J. Levey, R. Scot Duncan and Carrie F. Levins (2004). Animal behaviour: Use of dung as a tool by burrowing owls. Nature 431, 39. Laço DOI.

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá,
adorei a resenha baseada no artigo sobre uso de ferramentas por corujas buraqueiras. Além de amar etologia, na região onde moro, há ocorrência destes incríveis animais. Cheguei a ser "atacada" por uma que estava nidificando num parque de lazer da cidade (Resende- RJ).
Visito constantemente este blog e adoro. Parabéns e um grande abraço!
Shery

Caio de Gaia disse...

Olá Shery. Obrigado pelo comentário. Por acaso você não reparou se elas acumulam excrementos? Não tirou fotos?