quinta-feira, maio 04, 2006

A oliveira e a idade do Minotauro

Este bocado de madeira, com cerca de um metro de comprimento, pode não parecer nada de especial, mas permitiu fixar com razoável exactidão uma das grandes erupções vulcânicas da antiguidade. Já discuti, nalgumas contribuições anteriores, ocasiões em que a arqueologia encontra a vulcanologia, em geral mostrando os efeitos desastrosos para as populações da área afectada pelo cataclismo. Tais foram os casos da erupção do Vesúvio na região de Avelino, e de Tambora na ilha de Sumbawa. A erupção de que vamos falar hoje foi também devastadora e aconteceu em pleno mediterrâneo. Comecemos por recuar 140 anos, até 1866. Nesse ano, Robert Zahn, ao escavar uma camada de pedra-pomes na ilha de Tera (Santorini), descobriu uma "pompeia da Idade do Bronze". Escavações posteriores, em especial em 1967 num local chamado Akrotiri, pelo Prof. Spyridon Marinatos, trouxeram à luz do dia vestígios de uma grande cidade, com edifícios de vários andares, ruas e praças. Estes eram traços de uma cultura sofisticada e requintada, com ligações à cultura minóica então existente em Creta. O "então" significa há mais de 3500 anos.[... ler mais]

A atestar o "saber-viver" da população da ilha, mesmo nessa data tão recuada já tinham água canalizada, que incluía mesmo canos de água quente, provavelmente de origem geo-térmica. As casas estavam decoradas com belíssimas pinturas, que retratavam cenas da vida de todos os dias, ao contrário do que era habitual para a época, em que os temas usuais eram em geral de inspiração religiosa. Mostro em baixo dois desses frescos, um de crianças a lutar uma forma qualquer de pugilismo, e outro, de um pescador com uma farta captura.



Este tipo de imagens, e muitas outras recuperadas no local, retratos de uma vida próspera e tranquila, dão um carácter ainda mais avassalador à catástrofe que se abateu sobre a ilha. A imagem abaixo, que mostra uma pequena frota de barcos, rodeados de golfinhos, dá-me a sensação algo estranha de que a Santorini da Idade do Bronze seria um local que eu gostaria de ter visitado. Não sei porquê mas parece-me uma sociedade feliz.



Santorini é uma caldeira vulcânica rodeada de um conjunto de pequenas ilhas, a maior das quais se chama Tera. Antes da erupção que soterrou a cidade de Akrotiri, a caldeira era rodeada por uma ilha circular com apenas uma pequena entrada. A erupção do vulcão foi devastadora para as populações locais, com uma coluna de cinzas e gases vulcânicos a elevar-se a cerca de 40 km, e enterrou a cidade debaixo de 60 metros de materiais vulcânicos. Vestigíos dessa erupção foram encontrados em locais como a China, Gronelândia e a costa oeste da América do Norte. A erupção foi acompanhada de Tsunamis com mais de 10 metros de altura que atingiram a ilha de Creta a mais de 100 km dali, e que podem ter precipitado o colapso da civilização minóica. Tendo sido sentida em todo o mediterrâneo oriental, a erupção é um acontecimento importante para comparar as cronologias aceites pelos historiadores para as várias culturas da região. O problema é que os vários métodos para determinar a idade da erupção dão resultados contraditórios.

Com base, por exemplo, em vestígios de olaria encontrados no local, muito semelhantes ao encontrados no Egipto em regiões que pertenciam ao Império Novo, alguns arqueólogos colocavam a data da erupção próximo de 1500 AC, enquanto a evidência de amostras de gelo, anéis de árvores e datas de medições por radiocarbono indicavam uma data 100 anos anterior. O problema é mais sério do que parece, pois, se as datas mais antigas se mostrarem acertadas, pode ser necessário rever a cronologia egípcia, algo que sempre se pensou estar solidamente estabelecido.

Até recentemente as medições da abundância de carbono-14 eram baseadas em sementes encontradas no local. Ora as datações utlizando as sementes são pouco precisas, pois cada semente dá informações sobre um único ano. Os valores de carbono-14 têm que ser comparados com uma curva, que neste período tem altos e baixos, e os melhores valores indicavam um intervalo de idades possível de 1663 a 1599 AC. Um ponto só não permite uma boa calibração, o que é preciso é algo que forneça uma sequência de pontos. É aqui que entra o fragmento de oliveira encontrado em Santorini. Num artigo na Science (ref1) de Walter Friedrich e colegas esse ramo é utilizado para estabelecer a data da erupção. Numa tradução livre do resumo:

Foi possível efectuar uma datação precisa e directa da erupção Minóica en Santorini (Tera) na Grécia, um marco temporal global da Idade do Bronze, através da descoberta de um ramo de oliveira, enterrado na posição que tinha em vida, nas cinzas e pedra-pomes em Santorini.

Este é um facto importante. A árvore estava viva antes da erupção. Os autores baseiam isso no facto de na vizinhança imediata do ramo se encontrarem restos de folhas e azeitonas. O bocado de madeira encontrada incluia a casca da árvore, e os anéis de crescimento imediatamente anteriores. Mesmo numa árvore viva, os anéis interiores, onde já não corre seiva elaborada, são constituídos por células mortas, e os diferentes anéis correspondem a diferentes anos, com diferentes concentrações de carbono-14. Os autores possuíam assim uma sequência relativamente grande para ajustar às flutuações da curva de calibração carbono-14, e não um único ponto como no caso das sementes, e conseguiram uma data bastante exacta para a idade da casca da árvore, e logo para a data em que ocorreu a erupção.
Aplicámos o chamado método de ajuste das oscilações a uma sequência de carbono 14 proveniente de segmentos de anéis da árvore para restringir a data da erupção ao intervalo 1627-1600 AC com 95.4% de probabilidade. O nosso resultado está nos limites dos resultados de vários métodos de datação anteriores, menos precisos, e menos directos, mas é um século mais recente que as datas obtidas a partir das cronologias egípcias tradicionais.
É óbvio que a descoberta vai ser alvo de debate, mas é apoiada por um estudo de um outro artigo de que talvez fale aqui na próxima semana.

Referências
(ref1) Walter L. Friedrich, Bernd Kromer, Michael Friedrich, Jan Heinemeier, Tom Pfeiffer, Sahra Talamo (2006). Santorini Eruption Radiocarbon Dated to 1627-1600 B.C. Science, Vol. 312. no. 5773, p. 548. Laço DOI.

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