domingo, maio 07, 2006

O canto do cardeal visto aos raios-X

A criatura de hoje é uma notícia um bocado antiga, de um artigo saído em Abril. Contudo, ver um filme em raios-X de uma ave a cantar, é algo que eu tinha que partilhar com os dois ou três leitores que vêm aqui regularmente. O passaroco em questão é o cardeal da Virgínia, de seu nome científico Cardinalis cardinalis, uma simpática ave canora com um belíssimo casaco de penas. O estudo científico em questão, que foi publicado nos Proceedings da National Academy of Sciences (ref1), por Tobias Riede e colegas, tinha como objectivo perceber de que forma os pássaros modulam o seu canto. [... ler mais]

Numa tradução livre do resumo:

No discurso humano, o som é gerado pela laringe e modificado por movimentos do tracto vocal superior, que actua como um filtro ressonante concentrando a energia na proximidade de frequências específicas, ou formandos, essenciais no reconhecimento da fala. Apesar da sua importância potencial na comunicação vocal, pouco se conhece acerca da presença de filtros ajustáveis nos tractos vocais de outros vertebrados. A qualidade tonal de muitos dos cantos das aves, nos quais os harmónicos superiores têm relativamente pouca energia, depende da filtragem da fonte vocal, mas a natureza do filtro é controversa. As hipóteses correntes tratam o tracto vocal das aves canoras como um tubo rígido com uma ressonância que é modulada pela correcção na extremidade devida a uma abertura variável do bico.

É sempre curioso ver o tipo de coisas aparentemente simples que desconhecemos. O modelo que se admitia para os pássaros era no fundo do tipo de uma flauta, um tubo rígido em que tapando os orifícios com os dedos se muda a tonalidade da música. Nos pássaros algo semelhante seria conseguido abrindo mais ou menos o bico. Mas o mais interessante de tudo são as técnicas que os cientistas usam para testar estas hipóteses.
Através de cinematografia de raios-X de aves canoras, mostramos que o canto da ave é acompanhado por movimentos cíclicos do esqueleto hióide e por mudanças no diâmetro da extremidade craniana do esófago que mantêm um relação inversa entre o volume da cavidade orofaríngica e esófago e a frequência fundamental do canto. Um modelo acústico computacional indica que este padrão motor relacionado com o canto ajusta a ressonância da cavidade orafaríngica-esofágica para acompanhar de forma activa a frequencia fundamental do canto.

Por estranho que possa parecer, os pássaros cantam de uma forma muito semelhante à nossa, ajustando o volume da "garganta". O resultado científico é interessante mas tenho que confessar que o que me fascinou mesmo foi ver um filme da radiografia do animal a cantar. Eis aqui algumas imagens que eu "roubei" da animação em questão, que mostram a transição de um cardeal "vestido" para uma criatura de estranho aspecto. A última imagem representa uma visão de frente.


Mas o melhor mesmo é ver a animação, que até nem é tão grande como isso (~10 Mbytes) que pode ser obtida no laço DOI dado com a referência. Uma versão reduzida pode ser vista aqui, juntamente com um pequeno comunicado de imprensa (em inglês). É claro que para os leitores mais antigos do Cais de Gaia, a questão que se põe é: e então o canto das ratazanas?

Referências
(ref1) Tobias Riede, Roderick A. Suthers, Neville H. Fletcher, William E. Blevins (2006). Songbirds tune their vocal tract to the fundamental frequency of their song, PNAS, vol. 103, no. 14, 5543-5548. Laço doi

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