quinta-feira, fevereiro 14, 2008

O namoro das alforrecas

Esta imagem mostra uma fêmea de uma cubomedusa da espécie Carybdea sivickisi, no momento em que ela está a ser mãe. Aquela coisa com um especto larvar, que sai do sino, é um feixe de embriões, futuras cubomedusinhas. Trata-se de uma imagem que tem muito que ver com a data de hoje, o dia dos namorados em Portugal. Em geral, quando pensamos em namoro animal, estamos a pensar naqueles rituais de corte que se observam, por exemplo, nas aves. Na verdade, pouca atenção é devotada a esse tipo de estudos fora dos vertebrados ou alguns invertebrados ditos superiores. Algumas das criaturas injustamente negligenciadas por esse tipo de estudos são as cubomedusas. O interesse por estas criaturas não se esgota apenas nos seus lindos vinte e quatro olhos, de que falei nos últimos dias. Por incrível que possa parecer, estes organismos, aparentemente tão simples, namoram. Não há rosas, nem chocolates, mas sim uma espécie de bailado de "mãos dadas." [... ler mais]

A Carybdea sivickisi é um bichinho particularmente interessante. Possui uma espécie de tiras adesivas no topo do sino que usa para se agarrar a rochas, corais, ou mesmo algas, durante o dia, e é extraordinariamente bonita. A imagem a preto e branco não faz jus ao animal, que pode ser apreciado a cores nesta imagem na UCMP de Berkeley. Após procurar um pouco encontrei mesmo filmes, nesta página da James Cook University. Notem a forma como no final do filme se descola do local onde estava agarrada.

Os animais adultos são claramente dimórficos, isto é, há diferenças óbvias entre os sexos. Eis aqui o aspecto do macho:


Notem os quatro ropálios, as estruturas onde se encontram os olhos, um deles indicado pela letra R. O SS indica estruturas designadas por sacos subgástricos, e o G as gónadas masculinas. A fémea é algo diferente:

As estruturas indicadas pelo GP são os chamados sacos gástricos, que encerram as gónadas femininas. As setas indicam estruturas designadas pontos velares. Apenas as fêmeas sexualmente maduras apresentam esses pontos, e os machos só se interessam por essas fêmeas.

São animais pequenos, quer o macho quer a fêmea das imagens acima tinham um sino com apenas oito milímetros e meio de diâmetro. A vida amorosa das Carybdea sivickisi é descrita num artigo de Cheryl Lewis e Tristan Long na revista Marine Biology (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Os acontecimentos do cortejamento e fertilização nos cubozoários têm recebido pouca atenção dos biólogos, e muito do que sabemos desse processos é baseado em conjecturas ou evidência anedotal escassa. Eu empenhei-me em descrever esses processos no cubozoário Carybdea sivickisi observando medusas adultas in vitro. Os adultos maduros envolvem-se em cortejamento durante o qual são transferidos espermatóforos do macho para a fêmea, que então insere os gâmetas no seu manúbrio. As fêmeas aceitaram vários espermatóforos de vários machos, e produziram apenas um feixe de embriões. Este estudo forneceu também evidência de que a presença de pontos velares evidentes na margem do sino das fêmeas era um sinal de maturidade sexual, e de que a maturidade sexual não eram atingida por nenhum dos sexos até que os indivíduos tivessem um diâmetro do sino de pelo menos cinco milímetros.

A promiscuidade da Carybdea sivickisi fêmea é compreensível. Ela tem muito amor para dar e a vida é curta quando se é uma cubomedusa. A fêmea produz um único feixe de embriões, e morre passadas uma a duas semanas.

Para encontrar imagens sugestivas bastou-me ir às páginas do projecto Árvore da vida - Cnidários, que inclui investigadores do Brasil, Japão, Canadá e Estados Unidos. Entre 24 de Julho e 27 de Agosto de 2006, esses cientistas andaram pelo Japão a observar cnidários. Algures na quarta semana, fotografaram o acasalamento de Carybdea sivickisi num aquário. Todas as imagens nesta página valem a pena, mas para o tema desta contribuição desçam até à décima imagem, logo abaixo de um senhor em fato de mergulho, atrapalhado a sair da água. Essa imagem mostra uma Carybdea sivickisi agarrada a um sargaço. Desçam então mais uma dúzia de imagens, ou então procurem por jellyfish sex, a cena rimântica é logo a seguir. Há duas imagens, mostrando um macho e uma fêmea de "mãos dadas", como um verdadeiro casal de namorados.

Voltarei às cubomedusas um destes dias, para falar mais sobre a visão, o sono, e as capacidades cerebrais destes animais.

Referências
(ref1) Cheryl Lewis & Tristan A. F. Long (2005). Courtship and reproduction in Carybdea sivickisi (Cnidaria: Cubozoa). Marine Biology (2005) 147: 477­483. DOI 10.1007/s00227-005-1602-0

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