domingo, fevereiro 24, 2008

O bronzeado humano que branqueia os corais

Estas imagens mostram aquilo que é chamado de lixiviamento dos corais, um fenómeno de despigmentação que se deve à perda de zooxantelas, um grupo de algas simbióticas que vivem nos tecidos dos corais. Estas algas são a principal fonte de nutrientes dos corais, que sem elas acabam por morrer ao fim de algum tempo. Entre 1997 e 1998 houve um surto de lixiviamento de corais à escala planetária, ligado à subida da temperatura de superfície dos oceanos, associada ao chamado fenómeno do El Niño. Essa ocorrência trouxe o fenómeno do desbotar dos corais para as bocas do mundo, como mais uma das possíveis consequências do malfadado aquecimento global. Num cenário de aquecimento global devido ao aumento de emissões de CO2, em que o aquecimento é acompanhado de um aumento de acidez dos oceanos, o fim dos recifes de coral é apontado como uma consequência previsível. Mas o branqueamento dos corais das imagens não tem que ver com aquecimentos globais, embora seja consequência da actividade humana. Trata-se de mais uma das consequências nefastas do turismo na vida selvagem. O que matou aqueles corais foi um vulgar protector solar, aquilo que as pessoas usam para evitar queimaduras quando se expõem ao Sol. [... ler mais]

O lixiviamento dos corais devido aos protectores solares é descrito num artigo de Roberto Danovaro e colegas na revista Environmental Health Perspectives (ref1). O resumo começa com uma breve descrição do problema:

O lixiviamento dos corais (isto é, a libertação de zooxantelas simbióticas) tem impactos negativos na biodiversidade e no funcionamento de ecossistemas de recife e na sua produção de bens e serviços. Este fenómeno em crescimento a nível global está associado com anomalias de temperatura, irradiância elevada, poluição e doenças de índole bacteriana. Mostrou-se recentemente que produtos de cuidados pessoais, incluindo cremes protectores solares, podem ter um impacto nos organismos aquáticos semelhante ao dos outros contaminantes.

Os resultados dos testes dos vários tipos de cremes solares são claros:
Os protectores solares causam o lixiviamento rápido e completo dos corais, mesmo a concentrações muito baixas. O efeito dos protectores solares é devido aos filtros orgânicos de ultravioletas, que são capazes de induzir o ciclo viral nas zooxantelas simbióticas com infeções latentes.

O processo era já bastante óbvio 16 a 48 horas após a exposição aos cremes, e cerca de 96 horas depois tem-se aquele branco fantasmagórico, indicativo de um coral moribundo. A imagem abaixo mostra imagens de zooxantelas com partículas de tipo viral, com formato arrendondado e 130 nanómetros de tamanho médio, ligadas à membrana celular.


Na imagem marcada com (C) são mesmo visíveis caudas a penetrar a membrana da zooxantela. A escala são 100 nanómetros para (A,B) e 200 nanómetros para (C).
Concluímos que os protectores solares, ao promoverem infecções virais, podem desempenhar um papel potencialmente importante no lixiviamento dos corais em áreas susceptíveis a níveis elevados de uso recreativo pelos humanos.

Os vírus existem dentro das zooxantelas ou dentro do coral, mas num estado latente, só se libertam e se tornam activos quando se juntam os protectores solares. Os autores estimam que pelo menos cerca de dez por cento dos corais do mundo estão em perigo devido aos cremes protectores solares. Se juntarmos a isto outras substâncias como pesticidas, hidrocarburetos, e outros produtos que lançamos nos oceanos, que provocam o mesmo tipo de efeitos, a situação dos corais não é famosa, mesmo sem aquecimentos globais.

Deve notar-se que avisar os mergulhadores para não usarem cremes protectores solares próximo de recifes de coral é uma práctica comum. Este estudo fornece as evidências científicas que explicam porque razão esse é um bom hábito. Já agora, uma questão. Quantos dos leitores ouviram falar do aquecimento global e do possível desaparecimento dos corais, e quantos leram algo a respeito deste estudo sobre cremes solares na imprensa? Por vezes parece que os impactos na natureza só são importantes se forem consequência do aquecimento global.

Referências
(ref1) Roberto Danovaro, Lucia Bongiorni, Cinzia Corinaldesi, Donato Giovannelli, Elisabetta Damiani, Paola Astolfi, Lucedio Greci, Antonio Pusceddu (2008). Sunscreens Cause Coral Bleaching by Promoting Viral Infections. Environmental Health Perspectives, no prelo. doi:10.1289/ehp.10966.

4 comentários:

Lucia Malla disse...

Bom, Caio, eu já havia ouvido falar sobre esse problema, tanto que mergulhamos sem protetor - e acabo me queimando bastante nessas aventuras aquáticas. :P

Fantástico seu post. Um assunto interessantíssimo. Parabéns pela abordagem!

João Carlos disse...

Pois eu não tinha... Esses protetores solares e congênenres são uma praga para os donos de piscinas!...

Agora, por que os meios de comunicação de massa não falam nisso, é bem fácil adivinhar: produtores de cremes e loções protetores são anunciantes; os "gases do efeito estufa" são "filhos enjeitados", pelos quais ninguém paga anúncio...

Além disso, dermatologistas não ganham comissão de "conservadores de corais"...

Lucia Malla disse...

João!! Vc está de volta, q bom! estava com saudade de seus comentários sempre tão pertinentes. :)

Anónimo disse...

BOA tarde!
Faço faculdade de Ciencias Biológicas , achei interessante este assunto, gostaria de saber se há uma forma de desenvolver um experimento com base nesse estudo.Ex: montar um mini aquario , adicionar protetor solar e ver as consequencias , para poder expor na faculdade.
me responda se puder!
sablininha@hotmail.com