sexta-feira, setembro 14, 2007

A velocidade dos dinossauros

Não se deixem enganar pelo mamífero na imagem. Para não variar do tema dos últimos dias, hoje vou voltar aos dinossauros. Os leitores adeptos dos temas ludopédicos terão reconhecido facilmente o rosto da imagem. Trata-se do futebolista inglês David Beckam, agora a jogar nos Estados Unidos da América. Ora o que faz o rosto deste senhor numa contribuição sobre os "sáurios terríveis"? Bem, é que aqui há uns tempos a CNN tinha uma notícia com o curioso título de "Tiranossauro corria mais depressa que David Beckam." Claro que eu tinha que investigar o que estava por trás de tão sugestivas parangonas. Tratava-se de um estudo sobre a biomecânica dos dinossauros. [... ler mais]

Já que falei em tiranossauros e futebol, imaginem o jogo de cabeça de uma criatura destas:

Trabalhos com modelos exigem sempre cautela. Lembro-me sempre daquela velha anedota do físico que constrói um modelo, a pedido de um amigo com uma produção leiteira, para melhorar a produção de leite. O resultado é algo do tipo: "imaginemos uma vaca cilíndrica de comprimento infinito, no vácuo, produzindo leite isotropicamente, a uma taxa constante." Neste caso o modelo é obviamente bastante mais sofisticado, mas não deixa de recorrer a aproximações, e alguns resultados parecem-me suspeitos.

O artigo que estima a velocidade dos dinossauros é da autoria de Sellars e Manning e foi publicado na revista Proceedings of the Royal Society (ref1). Numa tradução livre do resumo.

A velocidade máxima de corrida é um parâmetro locomotor importante para muitos animais -- tanto predadores como presas -- sendo por isso de interesse para os paleobiólogos interessados em reconstruir a ecologia comportamental de espécies extintas. Tentaram-se no passado uma variedade de aproximações, incluindo comparações anatómicas, o escalar do esqueleto e força, factores de segurança, e análises de forças de reação do solo. Contudo, estas abordagens são todas indirectas e uma abordagem alternativa é criar um modelo músculo-esquelético do animal e ver quão depressa ele consegue correr.

Claro que esta abordagem não deixa de ser indirecta, e com toda uma série de limitações. Por exemplo, e os autores referem isso no texto, o modelo apresentado neste artigo é algo simplificado, pois não leva em linha de conta o armazenar da energia elástica e outros aspectos importantes em animais de grandes dimensões. Por isso a frase seguinte é demasiado optimista:
A grande vantagem desta aproximação é que todas as hipóteses sobre a morfologia e fisiologia do animal são avaliadas directamente, enquanto as mesmas hipóteses estão escondidas nas abordagens indirectas.

Não deixa de ser verdade, mas por outro lado os modelos em geral não reproduzem exactamente a realidade, e as incertezas e simplificações vão reflectir-se nos resultados.
Apresentamos neste artigo modelos músculo-esqueléticos simples de espécies bípedes, três existentes e cinco extintas. Os modelos prevêm a velocidade máxima nas espécies existentes com um acordo razoável com os valores aceites, pelo que concluímos que os valores apresentado para as cinco espécies extintas são previsões razoáveis para as hipóteses feitas nos modelos. Modelos músculo-esquelético melhorados e melhores estimativas dos parâmetros dos tecidos moles produzirão valores mais precisos.

Os autores indicam quase 30 quilómetros por hora como velocidade máxima para o Tyrannosaurus rex, e cerca de 40 quilómetros por hora para outro dinossauro famoso, o Velociraptor mongoliensis. Este último valor parece-me algo exagerado, mas há uma estimativa que me parece mesmo muito suspeita. É que, segundo o estudo, os animais mais rápidos seriam os mais pequenos de todos. Em particular esta criatura, um Compsognathus longipes.

Eestamos a falar de um animal do tamanho de uma galinha que correria a cerca de 60 quilómetros por hora! Com as pernas relativamente curtas, para atingir tal velocidade, este animal teria que dar cerca de 60 passadas por segundo. Há animais pequenos e rápidos, como os coelhos, mas essas criaturas funcionam essencialmente como uma mola e não podem ser aproximadas por este tipo modelos (que aliás foram feitos expressamente para bípedes).

O modelo parece-me apenas uma aproximação a um problema complexo, um ponto de partida. Os valores devem ser encarados com cautela. O importante é a indicação de que todos estes animais seriam capazes de correr depressa. Pelo menos a imagem de um tiranossauro a perseguir e apanhar o Beckam tem o seu quê de divertido.

Ficha técnica
Imagem de David Beckam via Wikimedia Commons.
Ilustrações de dinossauros cortesia de Arthur Weasley via Wikimedia Commons, aqui e aqui.

Referências
(ref1) Sellars, W.I. & P.L. Manning (2007). Estimating dinosaur maximum running speeds using evolutionary robotic. Proceedings of the Royal Society B. DOI: 10.1098/rspb.2007.0846.

2 comentários:

João Carlos disse...

Eu suponho que haja meios para determinar, com alguma precisão pelo menos, a natureza do tecido muscular desses sáurios, sua taxa metabólica e, se me permite o angilcismo, sua "endurância".

Porque não é importante apenas qual a velocidade final que os mostrengos atingiam, mas quanto tempo conseguiam permancer a correr e se eram capazes de contrabalançar as fintas do Cristiano Ronaldo...

(E, não!... Eu não vou tecer comentários acerca do Luiz Felipe e a agressividade dos tiranossauros...)

Caio de Gaia disse...

Ah o Socolari... o homem não teria medo de um bichinho desses.

Um dos problemas com os terópodes não avianos é que não possuímos animais vivos equivalentes, isto é bípedes com postura parassagital e cauda longa. A musculatura, posição do centro de massa, etc é muito diferente da que temos nas aves. É tudo um bocado incerto porque não temos um exemplo para calibrar as hipóteses feitas nos modelos.

A questão da capacidade de manobra é interessante. Muitos dinossauros, incluindo o tiranossauro só conseguiam mover as pernas para a frente e para trás, não para os lados. A forma dos joelhos e tornozelos são de tais que restringem fortemente o movimento lateral. As viragens seriam lentas dada a enorme inércia do animal.

Mas eu não daria grandes hipóteses ao Cristiano Ronaldo, face à passada e alcance do bicho. A resistência não seria problema, o animal seria seguramente capaz de umas centenas de passadas, mais que suficiente para abocanhar o Cristiano Ronaldo, o Kaká ou o Beckam.