Há não muitos anos atrás havia um outro golfinho na costa de África, próximo da cidade de Hippo, também chamada Diarrhytus, que de igual modo recebia alimento da mão dos homens, permitia que lhe tocassem gentilmente, brincava com aqueles que nadassem e se banhassem no mar, e carregava no seu dorso quem quer que se colocasse sobre ele.
Este é um excerto do livro nono da «Naturalis Historia» de Gaius Plinius Secundus (23-79), mais conhecido como Plínio o Velho. É uma entre várias descrições, nessa obra, do comportamento de golfinhos solitários que buscavam a presença humana. Segundo Plínio os golfinhos reconheciam o nome Simo e para os chamar bastava gritar Simo, Simo, que eles vinham. Infelizmente a história do Simo de Hippo teve um final infeliz. O golfinho tornou-se uma celebridade, atraindo inúmeros turistas da época, incluindo alguns poderosos e prepotentes. Os abusos desta multidão de visitantes perturbaram de tal forma os habitantes locais que eles acabaram por matar o pobre golfinho para que os deixassem em paz. Tal como há dois mil anos, ainda hoje sucede que consequências nefastas para os golfinhos são o resultado típico da interação entre golfinhos e humanos. Isto é verdade mesmo em relação a essas coisas do "ecoturismo" que prometem a oportunidade de nadar com os golfinhos selvagens.[... ler mais]
A problemática do "nadar com os golfinhos selvagens" foi analisada num trabalho de Amy Samuels, Lars Bejder, e Sonja Heinrich para a Marine Mammal Commission norte-americana (ref1). Os excertos que se seguem foram retirados desse trabalho.
Nos Estados Unidos existe um quadro legal que define aquilo a que se chama assédio dos mamíferos marinhos:Qualquer acto em que se persiga, atormente, ou incomode, que
Este é um quadro legal particularmente severo, em que alimentar um golfinho selvagem é considerado crime. Por outro lado, algumas actividades tais como entrar na água para fotografar, nadar com, e mesmo tocar em golfinhos, tinham um carácter ambíguo. O trabalho de Amy Samuels e colegas destinou-se a verificar até que ponto essas actividades poderiam ser classificadas como assédio. Para isso os autores fizeram uma revisão detalhada da literatura pertinente, e separaram os tipos de contacto em categorias, de acordo com encontros com:
As três primeiras categorias distinguem no fundo a forma como se deu a habituação dos animais ao contacto humano. Uma das coisas que a que achei piada no estudo foram outras classes que os autores consideraram. Estamos a falar de coisas como nadar com golfinhos em cativeiro, a interação com barcos, e o... "nadar com tubarões". Pois é, por vezes as pessoas enganam-se e o que parece um golfinho não é.
Comecemos então com o nadar com um golfinho solitário, tal como no exemplo do pobre Simo. Um aspecto curioso que os autores referem a propósito destes golfinhos é que nem sempre o contacto tem a ver com comida. Alguns golfinhos não aceitam comida, outros aceitam mas não a comem, e alguns chegam ao ponto de serem eles a oferecer comida aos seres humanos.
Os golfinhos soltitários,sociáveis estão bem habituados ao seres humanos, demasiado bem aliás. A quebra de contacto pode ocorrer se os humanos não fornecerem "entretenimento" adequado aos golfinhos. É aí que as coisas se podem tornar problemáticas:Dos 26 golfinhos solitários, sociáveis que estão bem documentados (15 machos, 8 fêmeas, 3 de sexo desconhecido), a maioria é descrita como tendo interações quase diárias com os humanos e interações pouco frequente com os seus congéneres. Onze tiveram períodos de comportamento sexual dirigido a humanos, bóias, e/ou navios; 15 dirigiram comportamento agressivo aos seres humanos. A agressão dos humanos pelos golfinhos resultou por vezes em ferimentos graves nos humanos, tais como ruptura no baço, costelas partidas, ou mesmo morte.
Ora o reverso da medalha é bastante pior no que se refere a mortos e feridos.Catorze golfinhos solitários sofreram ferimentos em resultado da sua habituação aos humanos e à actividade humana. Por exemplo, o "Freddy" enredava-se frequentemente em redes de pesca e por três vezes teve anzóis ou linha enfiados no seu corpo. "Nudgy" levou com uma lança e foi atingido por remos. "Percy" teve um anzol de pesca enfiado num olho. "Donald" e "Horace" sofreram ferimentos graves em colisões com barcos ou com hélices. O "JoJo" foi descrito como tendo 37 ferimentos relacionados com a interação com seres humanos desde 1992, incluindo oito que acarretavam perigo de vida.
Há mesmo paralelismos modernos com o Simo da antiguidade: cinco golfinhos que desapareceram em circunstâncias misteriosas depois das populações locais se queixarem dos incomódos que causavam. Os autores referem muitos exemplos que golfinhos solitários, sociáveis que morreram às mão de seres humanos. As conclusões dos autores do artigo são claras:Conclusão: Embora os golfinhos solitários, sociáveis façam tipicamente o primeiro contacto com os humanos, a habituação aos humanos e os encontros dentro de água são geralmente um processo gradual conseguido com um esforço considerável por parte dos humanos. Infelizmente para os golfinhos, a habituação aos humanos coloca os golfinhos em risco de ferimentos ou morte. Programas de gestão rigorosos podem reduzir esse risco.
Recomendação: Os golfinhos solitários, sociáveis de qualquer espécie são particularmente vulneráveis aos impactos das actividades humanas, e todas as interações com humanos deveriam ser rigorosamente proibidas, com a proibição a ser aplicada de forma em cada situação.
Percebe-se o tom forte dos autores. São cerca de 2000 anos de referências na literatura em que estas coisas acabam mal para os golfinhos. Este texto já vai longo. Terminarei na próxima contribuição.
Ficha técnica
Imagem do cadáver de roaz-corvineiro a partir das páginas da NOAA.
Referências
(ref1) Amy Samuels, Lars Bejder, and Sonja Heinrich (2000). A Review of the Literature Pertaining to Swimming with Wild Dolphins. Marine Mammal Commission.
sábado, setembro 22, 2007
Simo, Simo, não nades com humanos
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Biologia
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
0 comentários:
Enviar um comentário