sábado, abril 21, 2007

A morte de uma Ordem

Estas imponentes estruturas, algures no Território Norte da Austrália, são fruto do trabalho de milhões de pequenas baratas. Alguns leitores estarão seguramente a perguntar-se, baratas, mas então essas coisas não são termiteiras? Sim, trata-se de facto de termiteiras mas isso não invalida a primeira frase. Sabia-se desde há algum tempo que as térmitas, ou cupins como são conhecidas no Brasil, tinham uma certa afinidade filogenética com as baratas e com os louva-a-deus. Até que ponto ia essa afinidade era no entanto uma questão de acesa discussão. Um trabalho recente parece ter clarificado as coisas: as térmitas não são simplesmente parentes das baratas, as térmitas são baratas. Como se passa então de barata a cupim? Bem, segundo os autores o hábito das baratas de comerem os excrementos umas das outras pode ter facilitado a coisa. [... ler mais]

O estudo é da autoria de Daegan Inward e colegas e foi publicado no Biology Letters (ref1). Numa tradução livre do resumo:

As térmitas, construtoras de montículos e comedoras de casas, são fáceis de reconhecer: os seus modos de vida extraordinariamente complexos tornaram-nas extraordinariamente bem sucedidas ao longo dos trópicos. Embora conhecidas como "formigas brancas", não são formigas e as relações com outros insectos permanecem pouco claras. A nossa análise filogenética e molecular, a mais extensa tentada até hoje, mostra que as térmitas são baratas sociais, não merecendo por isso continuarem a ser classificadas como uma ordem separada (Isoptera) das baratas (Blattodea). Em vez disso, propomos que devem ser tratadas como uma família (Termitidae) entre as baratas. É surpreendente descobrir que um grupo de baratas comedoras de madeira desenvolveram eussocialidade plena, pois outros insectos plenamente sociais ecologicamente dominantes (por exemplo, formigas, abelhas e vespas sociais) evoluiram a partir de vespas predadoras solitárias.

Ora o que significa ser barata em termos filogenéticos? O que sucede é que se procurarmos relações de parentesco entre um grande conjunto de espécies de baratas, ou seja, se indagarmos quando é que pela última vez partilharam um antepassado comum, e traçarmos linhas entre nomes num papel, obtemos uma espécie de arbusto com muitos raminhos. Esse arbusto é oque se chama árvore filogenética ou cladograma. Os autores fizeram isso com 107 espécies de baratas, térmitas, e louva-a-deus. Ora, em vez de formarem o seu próprio arbusto ao lado do das baratas, os cupins faziam parte de um dos ramos das baratas. As térmitas estão mais próximas de um grupo de baratas, comedoras de madeira, do que esse grupo de baratas está de outros grupos classificados como baratas.

Os cupins são assim, pelo menos filogeneticamente, baratas, e os autores especulam que para comedores de madeira, que dependem de microorganismos para digerirem a celulose, a evolução poderá ter sido facilitada pelos seus hábitos coprofágicos. Comer os excrementos dos vizinhos permite a fácil disseminação dos micróbios. A dominância ecológica dos cupins teve contudo um preço. Eu referi numa contribuição anterior os hábitos democráticos das baratas. As térmitas vivem num sistema de monarquia absoluta, um regime de tipo totalitário.

Ficha técnica
Imagem de imponente construção das térmitas cortesia de Ray Norris, retirada da Wikimedia Commons.
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Referências
(ref1) Daegan Inward, George Beccaloni, Paul Eggleton (2007). Death of an order: a comprehensive molecular phylogenetic study confirms that termites are eusocial cockroaches. Biology Letters. Laço DOI.

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