quinta-feira, abril 12, 2007

Treinada para enfrentar as feras

Esta ave é uma ema, da espécie Rhea americana, a maior ave brasileira. Trata-se de um animal ameaçado na natureza, mas que pode ser criado em cativeiro, pelo que esforços de reintrodução serão sempre possíveis. Uma das questões na reintrodução de animais criados em cativeiro é como irão eles reagir aos predadores. Na verdade, muitos desses animais são ingénuos ao ponto de nem reconhecerem uma potencial ameaça. Daí que seja conveniente treiná-los de alguma forma. Claro que também é importante que o animal seja capaz de recordar os treinos. Como se comportam então as emas nesses dois aspectos? Aparentemente bem, e posso desde já adiantar que o processo de treino envolveu cadeiras. [... ler mais]

O trabalho que visa desenvolver os mecanismos de auto-preservação das emas e da autoria de Cristiano S. de Azevedo e Robert J. Young, investigadores da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e foi publicado na Revista Brasileira de Zoologia (ref1) há sensivelmente um ano. Os autores facultam um resumo em português que diz o seguinte:

O treinamento anti-predação é uma ferramenta poderosa usada atualmente para ajudar os animais reintroduzidos a reconhecer e escapar de seus predadores. Testar a capacidade de memória dos animais após o treinamento é importante para se avaliar a validade de sua aplicação. Um grupo de 15 emas nascidas em cativeiro foi estudado no zoológico de Belo Horizonte. Oito aves foram treinadas contra predadores e sete não. Após o término dos treinamentos, foram realizados quatro testes de memória após 40, 55, 70 e 88 dias.

Os autores na introdução citam um factor importante na motivação deste estudo. Segundo lhes foi comunicado por Ângela Faggioli, bióloga do zoológico de Belo Horizonte, num esforço de reintrodução de emas no estado brasileiro de Minas Gerais todos os animais morreram, devido a ataques de cães selvagens. O resumo prossegue então com os aspectos relativos à memória:
Os testes de memória consistiam em apresentar um modelo de predador para as emas e anotar as respostas comportamentais exibidas. Foram medidas a capacidade de memória das aves, a influência do tamanho do grupo no comportamento das aves e a influência do treinamento anti-predação na estimulação de respostas comportamentais adequadas. Os resultados mostraram que as emas retiveram a capacidade de reconhecimento do predador por quase três meses após o término dos treinamentos, que o tamanho do grupo afeta as respostas das aves (mais comportamentos de defesa quando sozinhas) e que o treinamento anti-predação é essencial para estimular uma resposta comportamental adequada, uma vez que o grupo não treinado se comportou tranqüilamente perante o predador. Conclui-se que o treinamento anti-predação é válido para futuros programas de reintrodução de emas, uma vez que a capacidade de memória dessas aves é considerável.

Basicamente uma ema não treinada e lançada na natureza é uma ema morta. Há vários aspectos interessantes no corpo do artigo. Comecemos então com o treino. As emas eram treinadas num recinto diferente daquele onde residiam. O modelo do recinto de treino pode ser visto na figura abaixo. Era cercado com arame, com um dos lados coberto também com uma faixa de plástico opaco, mas com uma janela. Nessa janela fazia-se então deslizar um modelo de um predador (uma onça na ilustração).

Os treinos eram relativamente simples. Mostrava-se um modelo de predador na janela durante 3 a 5 segundos, e então um ser humano vestindo uma máscara e munido de uma rede entrava no recinto e perseguia as emas. O humano disfarçado saia, e voltava então a mostrar-se o modelo de predador na janela durante 3 a 5 segundos. A experiência durava cerca de um minuto, tendo cada animal sido submetido a 15 sessões. Os modelos de predador usados na experiência foram: uma onça empalhada, um cachorro vivo, e uma cadeira. A cadeira era apenas aquilo que se chama um controle, apenas para verificar que os animais não desatavam a ficar inquietos só por aparecer algo na janela. Não é dito explicitamente no texto mas suponho que não houvesse perseguição quando aparecia a cadeira. Se bem que a ideia de que há por aí emas que associam as cadeiras a predadores terríveis tem o seu quê de divertido.

A memória dos animais foi testada mostrando às emas, no mesmo recinto, a tal onça empalhada, sem que o humano disfarçado entrasse no recinto, e registando as suas reações, quer sozinhas, quer acompanhadas de outras emas. A resposta isolada ou em grupos é um aspecto importante pois as emas vivem grupos e as aves poderão aprender umas com as outras. Os autores fizeram a mesma coisa a um grupo de emas que não tinham sido treinadas. Tal como referido no resumo, as emas treinadas mantiveram a sua capacidade de reação mesmo quando testadas três meses apos o período de treino, enquanto as não treinadas se mostravam bastante mais tranquilas. As emas treinadas mantinham uma postura de vigilância e defesa durante cerca de 15 minutos após o desaparecimento do modelo de predador, mesmo quando se tinham passado 70 dias após o início do processo de treino. Claro que o passo seguinte deste estudo é ver como se comportam as aves numa reintrodução num habitat natural. É um exame práctico um pouco mais drástico que o dos liceus e faculdades: quem falha pode acabar morto.

Existe ainda um outro aspecto importante deste estudo, que os autores avançam na discussão dos resultados, e que convém referir. Após terem sido treinadas as emas mostraram um conjunto de comportamentos, tais como saltarem para fugirem de predadores, ou colarem o corpo ao solo, imobilizando-se. Tais comportamentos não tinham sido observados antes nas emas do zoológico de Belo Horizonte. Ou seja, apesar de nascidas em cativeiro, as emas são capazes de comportamentos antipredatórios, mas esses comportamentos só surgem após um período de treino.

Ficha técnica
Imagem da ema no início da contribuição a partir da Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Cristiano S. de Azevedo e Robert J. Young (2006). Do captive-born greater rheas Rhea americana Linnaeus (Rheiformes, Rheidae) remember antipredator training?. Rev. Bras. Zool. 23(1): 194-201. Laço DOI.


2 comentários:

Anónimo disse...

Cais,

No quinto paragráfo, última frase:

"Se bem que a idéia de que há por aí emas que associam as CADEIRAS a predadores terríveis tem o seu quê de divertido."

Certo? : )

[]'s.

Caio de Gaia disse...

Ooopsss...