quarta-feira, abril 11, 2007

Dormir destapado para aquecer

A contribuição de hoje é dedicada aos hábitos de sono do tamanduá bandeira, de seu nome científico Myrmecophaga tridactyla. Descobri um artigo em que se investiga algo que parece trivial mas que se desconhecia, nomeadamente se, para dormir, o tamanduá bandeira se cobre sempre com a sua exuberante cauda. A postura típica dos tamanduás a dormitarem é a que se mostra na imagem, uma ilustração de um friorento tamanduá observado no dia 24 de Julho de 2001, quando a temperatura ambiente era de "apenas" 28.5 graus Celsius. Percebe-se que precise de um cobertor. Ora qual é então a resposta? O tamanduá cobre-se sempre, ou não, com essa espécie de penacho, cujos pêlos podem atingir 40 centímetros de comprimento? [... ler mais]

Ísis Meri Medri e Guilherme Mourão resolveram pôr isso em pratos limpos e a resposta é dada neste resumo muito curto de um artigo na Revista Brasileira de Zoologia (ref1).

A literatura científica sobre tamanduá-bandeira afirma que o animal dorme com sua cauda dobrada sobre o corpo para conservar a temperatura corporal. Entretanto, observações desta espécie em hábitats naturais indicam variações neste comportamento, dependendo da temperatura ambiente.

Pode parecer estranho mas este resultado nunca tinha sido publicado. Incríveis as coisas que ignoramos. Os autores referem no artigo dados sobre a fisiologia e fisionomia do tamanduá bandeira importantes para compreender esta questão do sono. Os tamanduás bandeira, animais tropicais, possuem um espesso casaco de peles. Isso ocorre porque possuem um nível metabólico bastante mais baixo que animais endotérmicos de tamanho semelhante, que tem possivelmente a ver com a sua dieta de formigas e térmitas (cupins) que apesar de abundantes são pobres em nutrientes.

Os hábitos de sono do tamanduá bandeira foram descobertos como resultado de um estudo efectuado em 2001 no Brasil, no Pantanal no estado de Mato Grosso do Sul. O trabalho envolveu a captura de alguns animais, que foram equipados com transmissores rádio e depois libertados, para se poderem estudar os seus movimentos e alguns aspectos do seu comportamento. O sono foi um dos comportamentos que pode ser analisado. Os tamanduás bandeira fazem pequenas cavidades com as garras em zonas abrigadas onde se deitam. Em 107 avistamentos os tamanduás estavam de facto a dormir na pose tradicional com a cauda a cobrir o corpo, mesmo em dias em que a temperatura era elevada, acima de 30 graus Celsius. A postura tradicional com a cauda a cobrir o corpo destina-se, segundo alguns autores referenciados no artigo de Ísis Meri Medri e Guilherme Mourão, a ajudar a conservar o calor do corpo, e ao mesmo tempo camuflar o animal adormecido.

A excepção ocorreu no dia 21 de Junho de 2001, numa manhã algo fria, com uma temperatura de apenas 17 graus Celsius. Os autores fizeram o seguinte desenho da postura desse animal:

Este tamanduá dormia com a cauda bem esticada sobre o chão, expondo todo o corpo aos raios do Sol. Os autores sugerem que estava a usar os raios do Sol para aumentar a sua temperatura corporal. Portanto já sabem, os tamanduás quando têm frio põem o cobertor de parte e usam a energia solar.

Ficha técnica
Imagem no início da contribuição cortesia de Dave Pape, a partir da Wikimedia Commons.

Referências
(ref1) Ísis Meri Medri, Guilherme Mourão (2005). A brief note on the sleeping habits of the giant anteater - Myrmecophaga tridactyla Linnaeus (Xenarthra, Myrmecophagidae). Rev. Bras. Zool. 22(4): 1213-1215. Laço DOI

3 comentários:

João Carlos disse...

Caio, eu não sou biólogo, mas conheço bem o clima do Pantanal (vivi lá por cinco longos anos). Lá, o calor é amazônico e o frio, andino. Ou seja, nas épocas em que predominam os ventos do Norte (vindos da Amazônia) o clima é quente e úmido. Quando os ventos viram para o Sul, o clima parece vir direto da noite no Atacama: um frio de rachar e absolutamente sêco (já vi a temperatura cair de 36°C para 4ºC em uma noite, apenas - essa temperatura de "apenas 17°C" deve ter sido bem próxima do meio-dia).

Se o sistema de balanceamento do calor corpóreo dos tamanduás for, de alguma forma, semelhante ao dos cães, faz todo o sentido que eles usem sua vistosa cauda (vista "in natura" é lindíssima) para aumentar a superfície corporal para absorver o máximo de raios solares possível (em um sentido inverso à "transpiração pela língua" dos cães).

Caio de Gaia disse...

João Carlos obrigado pelas informações. Infelizmente nunca fui ao Pantanal.

Imagino que um animal que não abdica do cobertor a 30C tenha muito frio a 17C. Curiosamente os autores do artigo referem que o animal coberto foi visto Às 9:56, mas não dão a hora para o outro, dizem apenas que foi bem cedo na manhã.

Infelizmente não sei tanto sobre tamanduás como gostaria. Os autores do artigo referem que eles possuem uma temperatura corporal e um metabolismo basal mais baixos que outros mamíferos de porte semelhante. Devem ter por isso muito maior dificuldade em aumentar a temperatura internamente e daí a pelagem tão espessa.

João Carlos disse...

Então, com base nas suas informações sobre o metabolismo dos tamanduás, eu arriscaria dizer que eles devem entrar em "hibernação" nas noites frias do Pantanal. Este que foi avistado com a cauda "desfraldada" pela manhã, deveria estar no limite de sua resistência...

Por falar nisso, a diversidade biológica do Pantanal perde por muito pouco para a amazônica. Mas, ao que parece, atrai menos atenção.