quarta-feira, abril 04, 2007

O frio que veio da Holanda

A roda de ciência decidiu focar este mês o problema do aquecimento global. Confesso que se a política por trás da coisa me interessa pouco, os estudos das evoluções do clima, e dos factores que entram em jogo, são no entanto fascinantes. Enquanto procurava algo sobre o tema encontrei um artigo curioso, em que o autor colocava a questão: qual a razão que levou os holandeses às costas da América do Norte 400 anos atrás? A resposta está no roedor de ar receoso que se mostra na imagem: o castor americano, de seu nome científico Castor canadensis. O autor explica também qual o motivo: o frio que se na época se fazia sentir na Europa. O início do século XVII corresponde à parte mais fria daquilo que se conhece como a Pequena Idade do Gelo. Não espanta assim que existisse uma procura muito grande por casacos de peles (em especial castor) por parte das classes altas e médias da Europa. O resultado foi um extermínio generalizado dos castores à escala planetária, e em particular na América do Norte. Os castores esgotaram-se, os holandeses partiram, mas os efeitos dramáticos na paisagem permaneceram. O que eu ignorava é que até talvez o clima tenha sido afectado. [... ler mais]

Os castores são criaturas capazes de modificar efectivamente a paisagem onde vivem, a partir das estruturas que constroem, as famosas barragens.

Estas barragens têm um impacto ecológico tremendo. O efeito mais óbvio é a capacidade de retenção de água, funcionando as barragens como uma espécie de atenuador de acontecimentos meterológicos extremos, em particular secas. Estas estruturas retêm também sedimentos e material orgânico e assim limitam o fluxo de carbono a ser transportado pelos rios e depositado nos fundos oceânicos. As zonas húmidas criadas pelos castores são na verdade uma fonte de carbono atmosférico, pois libertam quantidade significativas de dióxido de carbono e metano para a atmosfera. Como todos sabemos, pois os meios de comunicação têm-nos martelado a cabeça constantemente com estas coisas, estes são gases associados ao efeito estufa. É aqui que entra o artigo de J. C.Varekamp na revista Eos (ref1) de que falei no início da contribuição. Eis aqui uma das figuras do artigo, mostrando a variação de temperatura nos últimos 1000 anos no norte da Europa.

Vemos que houve um período "quente" por volta do ano 1000, altura em que os Viquingues ocuparam a Gronelândia e se estabeleceram mesmo no que é hoje o Canadá, na Terra Nova. Esse é o chamado período quente medieval (PQM na figura), a que se sucedeu um período de arrefecimento, a Pequena Idade do Gelo (PIG na figura). A barra cinzenta marca a chegada dos impiedosos e metódicos exterminadores de castores holandeses. Deve notar-se no entanto que os holandeses tiveram companhia nessa tarefa, que tinha começado muito antes, e levado à erradicação dos castores um pouco por todo o planeta. Um pouco a partir de 1900 começou o tal aquecimento global moderno (AGM), que faz as manchetes dos jornais. O AGM "disparou" nos últimos 20 a 30 anos, mas essa parte está fora do período representado neste gráfico. A questão dos castores é abordada pelos autores nesta passagem no final do artigo:

A redução ao nível do planeta nas barragens dos castores, que começou muito antes, pode mesmo ter afectado a severidade da Pequena Idade do Gelo como resultado da menor produção de dióxido de carbono e metano das região alagadas devidas aos castores. A erradicação global dos castores (possivelmente 50 milhões mortos apenas na América do Norte) pode ter baixado significativamente o fluxo de metano e dióxido de carbono das barragens, o que, juntamente com as possivelmente já reduzidas concetrações atmosféricas da época, pode ter conduzido a um efeito de estufa reduzido. A sociedade industrial é muitas vezes criticada por causar danos ambientais severos, mas as ideias apresentadas aqui sugerem que mesmo durante os períodos coloniais as acções humanas podem ter afectado fortemente os ambientes locais e possivelmente mesmo o clima global.

Não deixa de ser curioso que os holandeses, ao procurarem resguardar-se do frio, estavam a contribuir para perpetuar esse mesmo frio.

Talvez seja o meu carácter pessimista, mas quando li isto pensei que este estudo pode servir de argumento contra a reintrodução dos castores. Afinal estes simpáticos animais irão contribuir para o aquecimento global, são maus da fita.

Ficha técnica
Imagem de castor no Carburn Park em Calgary, Alberta no Canadá, no início da contribuição cortesia Chuck Szmurlo, obtida através da Wikimedia Commons.
Imagem da barragem de castor cortesia de Walter Siegmund, obtida através da Wikimedia Commons.
Imagem de Castor mostrando a cauda cortesia de Tom Smylie, obtida através da páginas do U.S. Fish and Wildlifer Service.

Referências
(ref1) J. C.Varekamp (2006). The Historic Fur Trade and Climate Change. Eos, Vol. 87, No. 52, 26.

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