domingo, abril 22, 2007

A beleza feérica das criaturas humildes

Enquanto procurava nas páginas do PHIL imagens para ilustrar a minha última contribuição sobre o vírus do Ébola, dei de caras com esta fabulosa paisagem. Parece um local de sonho, assim à primeira vista fez-me pensar em corais e algas. Só que esta paisagem não tem nada que ver com recifes submarinos, e a primeira pista está no traço que serve de escala, são dez micrómetros, que é como quem diz um centésimo de milímetro. Esta é uma microfotografia, com uma ampliação de 2689 vezes, obtida por um microscópio de electrões. O que são então estas delicadas estruturas de uma beleza inegável? Posso desde já avançar que são de origem animal. Para perceber bem de que se criatura se trata é preciso reduzir um bocadinho a ampliação da imagem. [... ler mais]

Eis então uma fotografia com uma ampliação de "apenas" 1094 vezes, que nos permite um maior distanciamento.

O que estamos a ver é um ácaro minúsculo do género Nanorchestes. A escala são 20 micrómetros ou seja 2 centésimos de milímetro. As estruturas que se assemelham a corais são ornamentações que estes ácaros possuem no dorso do seu exosqueleto quitinoso. Estas criaturas são inofensivas, e vivem no solo, alimentando-se de fungos e detritos vegetais. A cabeça do animal está à esquerda nesta fotografia, e a riqueza de detalhes, os padrões morfológicos intrincados, são das coisas mais bonitas que já vi.

Eis aqui uma visão um pouco mais longíqua deste Nanorchestes, no seu mundo onde um grão de poeira ou de pólen são coisas gigantes:

A ampliação aqui é de apenas 547 vezes, e a escala são cinco centésimos de milímetro. O lado da cabeça do bicharoco é o que está mais próximo de nós em baixo.

Ora para quê uma tal ornamentação? Bem, não tive tempo de ir à biblioteca pesquisar este assunto, mas encontrei na internet algo referente ao tema. Trata-se de uma artigo de D. E. Rounsevell e Penelope Greenslade na revista Hydrobiologia (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Ácaros da família cosmopolita Nanorchestidae podem dominar numeriamente as faunas de solos quer dos desertos quentes quer dos desertos frios. Os géneros Nanorchestes e Speleorchestes diferem nas suas distribuições, com o primeiro mais abundante no frio e o último mais abundante em regiões quentes. Sugerimos que isto está relacionado com as diferenças na estrutura cuticular dos dois géneros. A cutícula do Nanorchestes spp. é elaborada, com granulações regularmente espaçadas que estão ausentes no Speleorchestes spp. Estas granulações retêm uma camada de ar sobre o corpo que pode facilitar a respiração cuticular nos solos polares que são alagados sasonalmente e aumentar as probabilidades de sobrevivência ao reduzir o congelamento por contacto directo com o gelo. Discutimos a biologia dos dois géneros em função das estratégias ecológicas que são selecionadas em desertos quentes e frios.

Deve notar-se no entanto, que os Nanorchestes ocorrem também em climas quentes, as fotografias que mostrei aqui são de animais encontrados na Geórgia nos Estados Unidos da América. Na verdade ocorrem quase em toda a parte.

Ficha técnica
Fotografias da autoria de Janice Carr, cedidas por William L. Nicholson, Cal Welbourn, e Gary R. Mullen ao Centers for Disease Control and Prevention (CDC), obtidas através da Public Health Image Library (PHIL).

Referências
(ref1)
D. E. Rounsevell & Penelope Greenslade (1988). Cuticle structure and habitat in the Nanorchestidae (Acari: Prostigllnata). Hydrobiologia, Volume 165, Pages 209-212. Laço DOI.

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