Formações rochosas semelhantes a pilares formadas por finas lâminas de carbonato de cálcio, como esta de um parque algures nos Estados Unidos da América, os estromatólitos, foram durante algum tempo motivo de controvérsia nos meios geológicos. Este tipo de rochas encontram-se em camadas com que idades que variam desde o bastante jovem, aquilo que se designa por "actual" em termos geológicos, até mais de 3,500 milhões de anos atrás. Até ao fim dos anos 1950 os geólogos e paleontólogos tinham uma grande dificuldade em explicar estas estruturas. Alguns investigadores defendiam que se tratava de fósseis de organismos desaparecidos enquanto outros argumentavam que se tratava de simples estruturas sedimentares.[... ler mais]
As coisas mudaram quando se descobriram estromatólitos "vivos" num ambiente marinho em Shark Bay, na Austrália, em 1954.
O grosso de uma coluna estromatolítica é formada por material rochoso sólido, com apenas uma fina camada exterior, formada por filamentos de aspecto gelatinoso, constituída por organismos vivos. O estromatólito é uma estrutura construída pela acção desses organismos.
Os estromatólitos "modernos" são devidos à acção de tapetes de vários tipos de microorganismos, em especial bactérias. A densidade de bactérias é muito elevada: num metro quadrado de tapete bacteriano podem existir cerca de 3,000 milhões de organismos individuais. O constituinte mais importante são as cianobactérias, um tipo de bactérias que realizam a fotossíntese, e que fornecem a energia e o carbono, directa ou indirectamente, para uma vasta comunidade. A imagem ao lado mostra uma microfotografia de algumas cianobactérias que se encontram nos estromatólitos de Shark Bay, retirada de uma rtigo de Dominic Papineau e colegas na revista Applied and Environmental Microbiology (ref1). Notem a escala: estas criaturas com poucos micrómetros construiram estruturas com cerca de um metro de altura. Embora seja importantes como fornecedores primários de energia, as cianobactérias não são no entanto os organismos mais abundantes no estromatólito: os resultados de Dominic Papineau e colegas verificaram que menos de 5% das sequências de material genético que analisaram provinha das cianobactérias. Outros tipos de bactérias dominam a amostra em número. Estes minúsculos organismos produzem a coluna estromatolítica de duas formas: (1) prendem os sedimentos entre o muco que as células produzem e que existe entre os filamentos, e (2) induzem o cimentar das partículas sedimentares pois a actividade fotossintética ao consumir o dióxido de carbono baixa a pressão parcial de CO2 nesse meio e favorece a precipitação de carbonato de cálcio. As partículas precipitadas são assim "soldadas", constituindo uma série de crostas que formam uma rocha designada por laminite cianobacteriana.
Os estromatólitos são bastante raros hoje em dia, encontrando-se apenas em ambientes hipersalinos como Shark Bay, ou então em áreas de elevada alcalinidade, pobres em nutrientes, com temperaturas demasiado elevadas ou demasiado baixas, ou locais sujeitos a correntes ou ondas fortes. Embora raros hoje em dia, os estromatólitos eram extraordinariamente abundantes no passado. Durante três quartos do tempo de vida na Terra as cianobactérias terão sido os principais construtores de recifes, originando impressionantes barreiras de carbonato de cálcio. A abundância destas estruturas começou no entanto a declinar durante o Câmbrico com o advento de seres multicelulares e de elevados níveis de bioturbação, ou seja o remexer dos sedimentos por criaturas que escavam.
Os estramotólitos existentes em Shark Bay são relativamente recentes, com cerca de 3,000 anos apenas, e a sua descoberta não resolveu de vez o problema das estruturas mais antigas. Continuou a não ser claro se os estromatólitos mais antigos, que existiram durante um período da história da Terra designado por Arqueano, que cobre o período de aproximadamente 3,800 milhões a 2,500 milhões de anos antes do presente, também teriam uma origem semelhante. Um estromatólito é definido como uma estrutura de acreção laminada que tem relevo sinóptico, isto é, que se destaca do fundo oceânico. Nalguns casos estruturas deste tipo podem formar-se em águas saturadas com precipitados químicos. Além disso durante o Arqueano a Terra era um planeta muito diferente daquele que temos hoje. A actividade tectónica e os fenómenos vulcânicos eram muito mais comuns, e a atmosfera não possuia oxigénio livre. Com este ambiente de certa forma extraterrestre não admira que um artigo recente sobre estromatólitos no Arqueano tenha como primeiro autor Abigail C. Allwood, do Australian Centre for Astrobiology. Num artigo na Nature (ref2), Abigail Allwood e colegas estudaram alguns estromatólitos antiquíssimos. Numa tradução livre do resumo:A Strelley Pool Chert (SPC) (Pilbara Craton, Australia) com 3,430 milhões de anos, é uma formação rochosa sedimentar contendo estruturas laminadas com uma origem posivelmente biológica (estromatólitos). Determinar a biogenicidade de fosséis tão antigos é o objecto de um debate continuado. Contudo, muitos dos obstáculos na interpretação dos fósseis são ultrapassados no SPC devido à sua vasta extensão, excelente preservação e variedade morfológica dos seus relevos estromatolíticos que fornecem informação de carácter paleontológico numa escala que excede outras rochas de idade semelhante. Apresentamos aqui um estudo paleontológico e paleoambiental do SPC numa escala de vários km, em que identificamos sete tipos morfológicos de estromatólitos, muitos previamente desconhecidos, em diferentes partes de uma plataforma de carbonatos de uma zona entre marés. Levamos a cabo a primeira análise específica dos tipos morfológicos das estruturas no seu paleoambiente e refutamos hipóteses abiogénicas para a sua formação. Finalmente, argumentamos que a diversidade, complexidade e associacões ambientais dos estromatólitos descrevem padrões que em cenários semelhantes ao longo da história da Terra mostram a presença de organismos.
A área estudada pelos autores tinha cerca de 10 km de extensão, e foi isso que permitiu um estudo tão detalhado. A conclusão dos autores no artigo é clara: mesmo os mais antigos estromatólitos são de origem microbial. A vida não só existia nesses tempos remotos mas mostrava uma saudável pujança. Não deixa de ser impressionante pensar que 3,400 milhões de anos atrás a vida na Terra já era capaz de moldar de forma tão marcante algumas partes do nosso planeta.
Ficha Técnica
Imagem do estromatólito "fóssil" cortesia do National Park Service, retirada desta página em particular.
Imagem da Hamelin Pool Marine Nature Reserve, Shark Bay, cortesia de Paul Harrison (Reading, UK), obtida via Wikki Commons a partir deste laço.
Imagem de cianobactérias retirada da referência (1) abaixo
Referências
(ref1) Dominic Papineau, Jeffrey J. Walker, Stephen J. Mojzsis, and Norman R. Pace (2005). Composition and Structure of Microbial Communities from Stromatolites of Hamelin Pool in Shark Bay, Western Australia. Appl Environ Microbiol. 71(8): 4822-4832. Laco DOI.
(ref2) Abigail C. Allwood, Malcolm R. Walter, Balz S. Kamber, Craig P. Marshall and Ian W. Burch (2006). Stromatolite reef from the Early Archaean era of Australia. Nature 441, 714-718. Laço DOI.
quarta-feira, junho 14, 2006
Os microscópicos fazedores de rochas
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Paleontologia
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