Esta longa e fina criatura, de seu nome científico Illacme plenipes é um artrópode de um grupo vulgarmente conhecido por mil-pés ou milípedes. Também cohecidos por Diplópodes, foram um dos primeiros grupos de animais a estabelecer-se em Terra firme e mesmo hoje em dia mantêm um número muito razoável de espécies, cerca de 10,000 das quais foram descritas. A despeito do nome, os milípedes mais comuns têm "apenas" de 80 a 400 patas. A única espécie conhecida que de facto quase faz jus ao "mil" no nome é mesmo a Illacme plenipes.[... ler mais]
Este animal é objecto de um artigo de Paul E. Marek e Jason E. Bond na revista Nature (ref1). Numa tradução livre do resumo do artigoA espécie de milípede Illacme plenipes é a que se aproxima mais de atingir a marca mítica dos 1000 pés sugerida no seu nome - os indivíduos podem possuir até 750 pernas. Registamos aqui a redescoberta desta espécie extremamente rara, que não tinha sido assinalada desde a sua descrição original, há cerca de 80 anos atrás, numa pequena localidade de 0.8 km2 no condado de San Benito, California. Devido à raridade e limitado alcance geográfico desta espécie delicada, o seu frágil habitat deve ser protegido a todo o custo.
As 750 pernas referem-se ao exemplar que tinha sido apanhado em 1926. Os autores do artigo recolheram quatro machos, três fêmeas e cinco juvenis que apresentaram uma contagem mais modesta no número de membros. Se atentarem na imagem da fêmea na figura no topo da contribuição, e tiverem paciência, poderão contar cerca de 170 segmentos. A maioria desses segmentos tem patas, e como se pode ver na imagem abaixo elas vêm a dois pares por segmento. As excepções são a cabeça, sem patas mas com um par de antenas, os primeiros três segmentos, com apenas um par de patas, e os segmentos terminais que são ápodes.
As fêmeas da amostra tinham entre 662 a 666 pernas. Não chega aos mil, mas mesmo assim são muitas pernas. Quando eu atrás referi "longo", queria na realidade dizer alongado: a escala na figura no topo da página representa 10 mm, a escala na imagem acima 0.4 mm. As fêmeas da espécie têm pouco mais de 3 centímetros de comprimento, e pouco mais de meio milímetro de largura. Os machos têm a mesma largura, mas cerca de metade do comprimento, e umas míseras 318 a 402 pernas. Deve notar-se, contudo, que os milípedes desta família poderão talvez continuar a "ganhar" segmentos e pernas após a maturidade sexual, e é possível que o exemplar com 750 patas fosse um animal bastante velho.
Na ampliação em que se mostram as patas, vê-se que o exosqueleto desta espécie é ornamentado por numerosos "pêlos" (setae) e estranhas projecções cuticulares que não tinham sido documentadas anteriormente. Algumas das setas no dorso destas criaturas parecem mesmo segregar uma espécie de seda cuja função é desconhecida. Os detalhes são interessantes e os autores incluem no artigo algumas fantásticas microfotografias deste notável animal. Mostro abaixo grandes ampliações de uma estrutura que parece algo sinistra.
A este nível de ampliação mesmo a mais inofensiva das criaturas ganha um aspecto terrível. Notem a imensa quantidade de setas e as quatro projecções dentro de uma cavidade circular que parecem mais aterradoras do que de facto são, pois basta ver um pouco "mais ao longe" para a coisa parecer bastante menos ameaçadora, e para se começar a adivinhar do que se trata.
Tenho a certeza que a maioria dos leitores identificou os apêndices com o que de facto são: patas transformadas que funcionam como antenas. A identificação é mais óbvia quando se recua ainda mais por forma a ver a cabeça da Illacme.
O artigo dedica no entanto muito mais do seu espaço, e um maior número de microfotografias, a outro tipo de estruturas, que mostro na imagem abaixo.
Para aqueles que não estão a ver do que se trata, as coisas marcadas a cor à esquerda da imagem (a escala são 0.4 mm) designam-se por gonopódios. Isso mesmo, dispositivos que os machos usam para a cópula. Embora sejam uma característica dos diplópodes, nesta espécie em particular, onde correspondem aos nono e décimo par de patas, são estruturas incrivelmente complexas. São bifurcadas e dotadas de uma extremidade serrilhada que faz lembrar uma garra de um pássaro. Possuem também um receptáculo que se assemelha a uma pá e que se vê melhor na ampliação à direita da imagem.. O artigo é muito curto e infelizmente não há verdadeira pornografia milipédica. Confesso que com orgãos em forma de garras e pás, me interessaria ver como se desenrola o sexo dos milípedes.
Depois de 80 anos escondido, espero que este pequeno "não mil mas 600 e tal pés" não tenha sido redescoberto apenas a tempo de ser descrito antes de uma eventual extinção. No material suplementar inclui-se um filme de uma das fêmeas, que penso todos podem aceder a partir daqui (11 Mbytes).
Referências
(ref1) Paul E. Marek and Jason E. Bond (2006). Biodiversity hotspots: Rediscovery of the world's leggiest animal. Nature 441, 707. Laço DOI.
sexta-feira, junho 23, 2006
O bicharoco dos quase mil pés
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Biologia
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