sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Quando os lagartos tirânicos arrastavam as caudas

Ao vasculhar na internet ilustrações de dinossauros feitas há muito tempo dei com este trabalho do artista Vincent Lynch (1862-1935). Esta é uma imagem que saíu há quase cem anos na revista Scientific American e que mostra a ideia que se tinha do Tyrannosaurus rex nessa época. Quem tenha visto os filmes do Parque Jurássico nota imediamente que há grandes diferenças: o tiranossauro de Vincent Lynch tem três dedos em cada mão e arrasta a cauda pelo chão. A diferença dos dedos em cada mão é fácil de explicar, na altura em que esta ilustração foi feita ainda não se tinham recuperados braços completos de tiranossauro e admitia-se que fossem tridáctilos como outros dinossauros predadores. A postura que o artista escolheu também reflecte as opiniões dos peritos da época, que tendiam a ver os dinossauros como criaturas lentas e pouco activas. Ao ver esta ilustração esta postura parecia-me tão familiar que sabia que tinha visto algo semelhante em algum lado. [... ler mais]

Após procurar um pouco em publicações anteriores a 1915 lá encontrei um artigo de 1913 onde vem referida uma montagem de dois esqueletos de Tyrannosaurus rex neste tipo de postura. Trata-se de um artigo de Henry Fairfield Osborn e Barnum Brown no Bulletin of the American Museum of Natural History (ref1). Eis aqui a imagem que a ilustração acima me fez recordar:

A postura do dinossauro mais próximo é quase igual no na montagem do esqueleto e na ilustração. O tiranossauro mais afastado aparece um pouco mais levantado na ilustração mas mantém a pose da pata em cima da carcaça. Embora não tenha conseguido consultar o artigo onde apareceu a ilustração parece-me claro que se baseou nesta imagem. O artigo de Osborn e Brown referia-se a um estudo para uma montagem a colocar em exposição. A imagem foi obtida a partir de um modelo a um sexto das dimensões reais do animal. Numa tradução livre de algumas partes do artigo:

A montagem destes dois esqueletos apresenta problemas mecânicos de grande dificuldade. O tamanho e o peso das várias partes são enormes. A altura da cabeça na posição erecta atinge 5.4 a 6 metros acima do chão; a articulação do joelho encontra-se a 1.8 metros acima do chão. Todos os ossos são massivos; a cintura pélvica, o fémur e o crânio são extremamente pesados. Experiência com o Brontosaurus e outro grandes dinossauros prova que é impossível conceber uma estrutura metálica na posição adequadoa antes de juntar as partes.

Aqui não posso deixar de fazer um parêntesis, em relação a uma certa saudade que o nome brontossauro evoca. Era um dos dinossauros da minha infância, só que esse nome foi abandonado pois o animal tinha sido baptizado anteriormente como apatossauro e esse nome tem precedência.
Mesmo um modelo da restauração do animal completo à escala não elimina a dificuldade. De acordo com isso ao montar o Tyrannosaurus para a exibição adoptou-se um novo método, nomeadamente, preparar um modelo à escala de cada osso no esqueleto e montar este esqueleto menor com partes e junções flexíveis de modo a que todos os estudos e experiências possam ser feitos com os modelos.

Após testes de quatro poses consideradas não satisfatórias, os autores conseguiram algo que lhes agradou mais:
A quarta pose ou estudo, para a montagem proposta em tamanho natural, é a de dois répteis do mesmo tamanho atraídos para a mesma presa. Um réptil está agachado sobre a presa (que é representaa pela porção de um esqueleto). O objctivo desta posse baixa é trazer o crânio e a cintura pélvica perfeitamente preservados muito próximos do chão e ao alcance fácil do observador visitante. O segundo réptil está a avançar, e atinge a altura quase completa do animal. O efeito geral deste grupo é o melhor que se pode conseguir e é muito realístico, particularmente a figura agachada.

O artigo mostra também uma visão da montagem vista de lado para ilustrar um outro aspecto desta pose dinâmica.
A vista lateral desta quarta pose apresenta os animais mesmo antes do único salto convulsivo e agarrar com os dentes que distingue o combate dos répteis do dos mamíferos, de acordo com o senhor Ditmars.

Esta montagem acabou por não ser escolhida para a exposição.

O ênfase nos répteis neste artigo de 1913 reflecte o que se pensava na ápoca. Ness altura assumia-se que o comportamento dos dinossauros seria semelhante ao da maioria dos répteis modernos. Hoje em dia, a partir de estudos aprofundados da forma como articulam os ossos e dos vestígios das pegadas destes animais sabe-se que a postura dos tiranossauros era quase horizontal, e que seria criaturas activas, mais semelhantes a aves que a lagartos. Uma reconstrução de tiranossauro, obedecendo à visão moderna destes animais, pode ser encontrado nesta página do artista Raúl Martin. Curiosamente, Raúl Martin possui também uma ilustração com dois tiranossauros com poses não muito distantes da montagem de 1913, só que nesta imagem, trata-se de comportamento reprodutivo.

Mas a imagem que me agrada mais é de Karen Carr. Trata-se de uma cena de morte e desolação, parte deste mural, dedicado à extinção destes animais no final do Cretácico. Já agora, não podia deixarde referir este estudo de John Sibbick mostrando um tiranossauro a alimentar-se.

Ficha técnica
Ilustração da autoria de Vincent Lynch (1862-1935) obtida a partir de www.copyrightexpired.com.

Referências
(ref1) Osborn, Henry Fairfield & Brown, Barnum (1913). Tyrannosaurus : restoration and model of the skeleton. Bulletin of the AMNH ; v. 32, article 4. PDF.

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