sábado, abril 22, 2006

Grilos suicidas e os parasitas que não querem ser comidos

O grilo da figura está tranquilamente a cuidar da sua vida quando, de repente, num aparente acesso de loucura suicida, corre para a borda de uma piscina e se atira lá para dentro. Mas as coisas não são bem assim. Trata-se de mais um tenebroso exemplo daquilo que os parasitas levam os seus hospedeiros a fazer. Exemplos destes já foram aqui discutidos, em particular o caso da Ampulex compressa e do Toxoplasma gondii. Hoje o vilão é o verme górdio, de seu nome científico Paragordius tricuspidatus. [... ler mais]

Durante a fase inicial da sua vida o verme górdio parasita os grilos, mas durante a fase adulta vive livremente na água, onde se reproduz. Daí o parasita manipular o comportamento dos grilos e levá-los a adoptar o comportamento suicida descrito acima. Uma vez dentro de água não deixa de ser impressionante ver o tamanho do verme que sai de dentro do grilo. Ora devido a esse tamanho o verme demora um certo tempo a sair: a tarefa pode levar qualquer coisa como 10 minutos. Durante esse tempo os movimentos do grilo e do verme a tentar sair do seu hospedeiro podem atrair predadores do grilo, tais como rãs ou peixes. O verme górdio não parasita nenhum desses animais e poderia pensar-se que se o grilo for comido então é também o fim do verme. Pelos vistos nem sempre é assim. Num artigo da Nature (ref1), Fleur Ponton e colegas descrevem o que sucede quando grilos infestados com o Paragordius tricuspidatus são ingeridos por predadores. Numa tradução livre do resumo:

Como prisioneiros no seu habitat vivo os parasitas são vulneráveis à destruição do seu hospedeiro por predadores. Contudo, mostramos aqui que o verme górdio parasita, Paragordius tricuspidatus é capaz não apenas de escapar de dentro do insecto seu hospedeiro após a ingestão por um peixe ou rã, mas também do aparelho digestivo do predador. Esta estratégia notável permite ao verme prosseguir com o seu ciclo de vida.

Isto pode ser observado abaixo em que se mostra uma rã que acabou de engolir um infeliz grilo. Na imagem da direita pode já ver-se um verme a tentar escapar para a liberdade.

Apesar dos esforços da rã para não deixar fugir a criatura o verme lá consegue a sua liberdade, e vive para se ir juntar a outros vermes na água.


Pequenos filmes com a corrida suicida dos grilos, vermes a escaparem da boca das rãs e das guelras de peixes podem ser encontrados nas páginas de material suplementar do artigo na Nature. Os autores do estudo observaram 477 pobres grilos que foram comidos por uma variedade de predadores após se atirarem para a água. Em nenhum desses casos os predadores cuspiram o grilo, mas uma fracção significativa dos vermes conseguiu escapar: entre 18% a 26% dos ingeridos por várias espécies de peixes, e 35% dos ingeridos pelas rãs. Os autores verificaram que se o verme não aparecesse na boca, narinas ou guelras nos cinco minutos a seguir a ser ingerido não conseguia escapar, morrendo provavelmente no estômago do predador do grilo. O tempo de fuga era em média de 8 minutos e meio mas podia ser substancialmente maior pois os predadores tentavam engoli-los novamente. O mais longo observado foram 28 minutos,

Para lá do aspecto repugnante e nojento da história que eu pessoalmente aprecio, o estudo mostra como um parasita pode eventualmente desenvolver um ciclo de vida complexo. Tudo pode começar por tentar sobreviver à ingestão acidental do seu hospedeiro, levando progressivamente o parasita a incluir o predador no seu ciclo de vida. Eu realmente adoro histórias de parasitas, especialmente estas, com um final feliz. Assim, para terminar, nada melhor que mais umas fotos do parasita em toda a sua glória, a escapar rumo à liberdade.


Referências
(ref1) Fleur Ponton, Camille Lebarbenchon, Thierry Lefèvre, David G. Biron, David Duneau, David P. Hughes and Frédéric Thomas (2006). Parasitology: Parasite survives predation on its host. Nature 440, 756. Laço DOI.

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