quarta-feira, janeiro 23, 2008

Plástico não, obrigado

Uma das presenças mais marcantes da sociedade de consumo moderna, pelo menos dos últimos 50 anos, é um produto criado expressamente para derrotar os processos de reciclagem naturais. O plástico, com a sua capacidade de proteger do ar e da água, é uma presença omnipresente na vida do dia-a-dia, e de certa forma pode dizer-se que as sociedades modernas são viciadas no plástico. Na maioria das vezes que compramos algo numa loja, trazemos um produto que contém, ou está contido em, plástico. Uma vez terminado o seu uso como saco, embrulho, ou embalagem, o plástico tem como destino o lixo, que muitas vezes encontra o caminho do mar. A maior parte do lixo enviado para os oceanos é decomposto pelos microorganismos marinhos, num período de tempo relativamente curto, em dióxido de carbono e água, mas nem mesmo a mais voraz das bactérias é capaz de se alimentar de plástico. A maioria dos plásticos em uso não são biodegradáveis, é a luz do Sol que os quebra em bocados cada vez menores, todos eles polímeros plásticos, até que eventualmente se obtêm moléculas de plástico individuais. Mas mesmo essas moléculas são demasiado resistentes para a maioria dos organismos digerirem, e permanecem nos oceanos do planeta durante muito tempo, provavelmente 500 anos ou mais. Esta fotografia de Cynthia Vanderlip, mostrando um albatroz morto, com plástico a jorrar das suas entranhas, é emblemática do problema, que atinge neste momento uma escala gigantesca. A superfície dos oceanos tornou-se num verdadeiro mar de plástico. [... ler mais]

Os números do problema são dados num artigo de Charles Moore e colegas na revista Marine Pollution Bulletin (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Foi aferido o potencial para a ingestão de partículas plásticas pelas criaturas que se alimentam por filtragem em mar aberto através da medição da massa e da abundância relativa de plástico flutuante e zooplâncton nas águas superficiais sob as células de alta pressão atmosférica do Oceano Pacífico Norte. Foram recolhidas amostras em suspensão em 11 locais escolhidos de forma aleatória, usando uma rede de arrasto com malha 333 u. A abundância e massa do plástico em suspensão foi mais elevada que noutro lugar qualquer do Oceano pacífico com 334 271 peças por km² e 5114 g por km², respectivamente. A abundância de plâncton era aproximadamente cinco vezes mais elevada que a do plástico, mas a massa do plástico era aproximadamente seis vezes superior à do plâncton.

Estes resultados foram obtidos numa região conhecida como o Giro do Pacífico Norte. Os giros são gigantescas extensões de oceano onde as correntes formam espirais, um pouco como um ralo onde a água roda lentamente, e onde materiais que lá vão parar podem permanecer durante muito tempo. Os giros subtropicais, como o que foi estudado neste trabalho, correspondem a cerca de 40% da superfície dos oceanos, ou seja mais de um quarto da superfície do planeta é neste momento dominada pelo plástico.

Estes giros subtropicais são regiões de calmaria e as águas são relativamente pobres em nutrientes, logo têm pouco peixe. Alguns dos animais que dominam esta espécie de desertos oceânicos são as salpas, os vorazes aspiradores de plâncton de que falei aqui. Mas as salpas são criaturas gelatinosas, que não têm importância económica para os seres humanos. Não admira por isso que a dimensão do problema do plástico fosse ignorada durante muito tempo. Tudo mudou há cerca de 10 anos atrás, quando Charles Moore e a equipagem do Alguita, um navio de pesquisa, resolveram passar por um desses locais, depois de uma meritória participação numa regata, em que ficaram em terceiro lugar. O que viram deixou-os estupefactos. Num local que supunham imaculado, em qualquer direcção que olhassem, viam fragmentos de plástico. Durante a semana que levaram a atravessar o giro não encontraram um único local que pudessem considerar limpo.

O problema entretanto agravou-se. Uma nova viagem de Charles Moore, em 2007, estimou um aumento, por um factor de 5, na quantidade de plástico no Giro Subtropical do Pacífico Norte, em relação ao que tinha sido encontrado dez anos antes. Isto é particularmente grave, pois estudos recentes mostram que os plásticos funcionam como esponjas das toxinas que se encontram na água, podendo atingir concentrações de químicos tóxicos um milhão de vezes acima das que se encontram na água circundante. Ora um mecanismo de concentração de toxinas deste tipo, num ambiente dominado pelos aspiradores mais eficientes da natureza (as salpas), acarreta riscos enormes e que precisam de ser estudados.

Estou a falar deste tema porque, a 20 de Janeiro de 2008, o Alguita partiu numa nova missão, e tem um blogue. Eis uma foto do barco, retirada das páginas do blogue:

É relativamente pequeno, uma verdadeira casquinha de noz. Trata-se de um projecto de divulgação interessante, existe mesmo uma outra versão do blogue, vocacionada para que professores de liceu possam envolver as suas turmas na viagem do Alguita.

Referências
(ref1) C. J. Moore, S. L. Moore, M. K. Leecaster and S. B. Weisberg (2001). A Comparison of Plastic and Plankton in the North Pacific Central Gyre. Marine Pollution Bulletin, Volume 42, Issue 12, Pages 1297-1300.

1 comentários:

João Carlos disse...

E o que é pior: as autoridades sanitárias são grandes estimuladoras do uso de embalagens "descartáveis" de plástico (pelo menos, no Brasil).

Mas a maioria deles não é biólogo. São apenas... médicos :(